terça-feira, 1 de novembro de 2016

"OFÍCIO" - Soares Teixeira



Meu amigo
quando te vires rodeado de gente
mas sem ninguém até à linha do horizonte
quando as coisas te atirarem das falésias
e o vazio te obrigar a beber a dor
pensa-te solene
e que o teu ofício é construir um templo
dentro do peito
palavra a palavra
para nele celebrares o teu direito
ao voo depois da queda


Soares Teixeira – 01-11-2016
(© todos os direitos reservados)

domingo, 30 de outubro de 2016

"DIZ-ME" - Soares Teixeira



diz-me poesia:
em que rio tens voz de astro?
em que mar te fazes navio?


Soares Teixeira – 30-10-2016
(© todos os direitos reservados)

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

"CICLO" - Soares Teixeira



I

Corro
no pomar do engano
e sou certeza que corre
mas só depois
de ver
que o cansaço
é o único fruto
que me resta
é que descubro
que a minha matéria
é fumo

II

Recolho-me
em abelha de cristal
sobre a minha coluna
de palavra e vento
e procuro o longe


III

Sózinho
bebo a ferida
troco a dor
por outra camisa
e regresso
pronto
para me recomeçar
em meteorito
ou rio
e de novo
sou todas as paisagens




Soares Teixeira – 27-10-2016
(© todos os direitos reservados)

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

"INICIAL" - Soares Teixeira



A mão ama o gesto
o gesto ama o espaço
o espaço ama a palavra

a palavra ondula
leve na planura
em pura plenitude

o Sol tem os lábios vermelhos
o dia cai dos plátanos
a Lua já monta um potro

o mundo é um templo de segredos
que os peixes guardam
nas profundezas da alma

inicial
escuto da voz de um silêncio aquático
poesia



Soares Teixeira – 26-10-2016
(© todos os direitos reservados)

terça-feira, 25 de outubro de 2016

"O POEMA ALADO" - Soares Teixeira




Molhar o pão no caldo da poesia
comer com gosto
e arregaçar as mangas da alma

depois quebrar um ramo do silêncio
abrir a portas à viagem
e ser romã em júbilo

assim me satisfaço
assim sou o azul
no dorso do poema alado



Soares Teixeira – 25-10-2016
(© todos os direitos reservados)

domingo, 23 de outubro de 2016

"GRATIDÃO" - Soares Teixeira


Olho
e o meu olhar é um beijo na fronte dos astros
e isso eles nunca me recusam
conhecem-me
conhecem tudo o que em mim se quebra
tudo o que em mim se constrói
sabem quando encosto a cabeça às árvores
quando os ombros se me estremecem
a forma que dou aos acontecimentos
ou quando tento calafetar os navios da minha culpa
por trás da voz da noite
oiço o sussurro daqueles que não me abandonam
e me oferecem os seus rostos
e me aceitam como lira e como cidade
tenho a sensação de que não sou um forasteiro entre as galáxias
uma sensação antiga guardada dentro de muralhas inexpugnáveis

Quantas vezes, nas passagens íngremes de alguns caminhos
me sinto o filho predicleto das pequenas flores
que em cuidados maternais me conduzem por entre os abismos
superstição?
ilusão?
não renego a olaria dos mistérios nem os segredos dos búzios
só isso
e isso me basta para este meu olhar de rapazinho
vestido de gratidão



Soares Teixeira – 23-10-2016
(© todos os direitos reservados)