quinta-feira, 13 de outubro de 2016

"PARAÍSO" - Soares Teixeira



Enquanto o céu descansa no seu sonho azul
eu liberto a incandescente escrita do olhar
e escrevo na minha carne
- aquela onde tenho as veias e aquela onde tenho os astros –
Unidade

Enquanto no céu se ergue a casa do silêncio
eu ascendo e comigo levo a carícia do cântico das flores 
e abro o meu livro
- o do sangue e o do gesto –
e abrasa-me a sede de voar

Enquanto o céu se estende em praia íntima do infinito
eu sou mar a renascer das minhas ondas
e beijo o segredo dos peixes e das árvores
e galgo rochedos e trepo montanhas
e grito em êxtase
Paraíso!



Soares Teixeira – 13-10-2016
(© todos os direitos reservados)

terça-feira, 11 de outubro de 2016

"ATRACÇÃO" - Soares Teixeira



Olhamo-nos

Contemplo o céu
e imagino
umas mãos brancas
depois opalinas
depois translúcidas
depois transparentes
depois aladas
ainda
em sossegado não ser

Aguardo

Quanto tempo? Não sei
talvez uma eternidade
talvez uma passagem de pássaro
talvez um breve rolar de esfera

Depois
sinto
nas minhas costas
as mágicas mãos
do teu olhar
azul
sinto-as
abertas
muito abertas
duas asas a bater
e nós a erguermo-nos
na atmosfera
do abraço

“Vejam astros!”
- exclamamos em silêncio -
enquanto nos voamos em beijos




Soares Teixeira – 11-10-2016
(© todos os direitos reservados)

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

"NOITE ESTRELADA" - Soares Teixeira



Noite
as estrelas respiram no céu
serenas
são incontáveis
observo-as
deitado no feno de um celeiro de espantos
não penso em nada
limito-me a estender os braços
num gesto nupcial
e leve deixo-me levar
subo
gravito
liberto-me da gravidade
ascendo
ofereço o ombro a um cometa
refresco-me em brisas de galáxias
deslizo nas entranhas do vazio
onde sou tudo
e vou…
a sorrir de prazer
por me sentir idêntico
ao poema onde sou feliz



Soares Teixeira – 07-10-2016
(© todos os direitos reservados)

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

"PERTENÇA" - Soares Teixeira


Pertenço às perguntas por fazer
pertenço à ausência do todo na soma das partes
pertenço ao mel a escorrer da chama
pertenço às rosas a florir do fumo
pertenço às palavras de vinho e flauta
pertenço ao mar que cresce nas colinas do vento
beijo o azul de um espaço prestes a ser boca
beijo a sôfrega boca da chuva
beijo os lábios de uma deusa esquecida
tenho aqui o caos
e ali o cosmos
divago por entre a folhagem translúcida
lanço abelhas a caminhos que só eu vejo
como bagas de música e raízes de liberdade
ultrapasso-me
recebo-me
danço-me
celebro-me
estrídulo
extravagante
incessante
e antes e depois
do alfa e do ómega
salto sobre o touro e saúdo o Sol
sempre antiquíssimo
sempre sal do futuro
sempre íntimo das cúpulas do mistério
e dos silvestres caminhos do prodígios
pertenço à inquietação que se liberta dos astros
pertenço-me

escandalizai-vos reptilianos murmúrios de lâminas
pertenço aos meus possíveis e impossíveis
mordo a nudez dos sonhos
e contorço-me
entre gargalhadas de puro prazer



Soares Teixeira – 06-10-2016
(© todos os direitos reservados)

quarta-feira, 5 de outubro de 2016

"PROXIMIDADE" - Soares Teixeira



Há dias em que o mar é sombra
e as ondas parecem o tecto do mundo
nesses dias navegar é mais difícil
o peito é côncavo
as palavras ficam dentro dos seus ninhos
o horizonte é um espaço ensurdecedor
mas o Sol está lá
pode ser mero borrifo de luz
pode mesmo não se ver
pode tudo ser negro
e conduzido pelo negro
mas o Sol está lá
próximo
das praias de outros dias
e das palmeiras nossas irmãs



Soares Teixeira – 05-10-2016
(© todos os direitos reservados)