Às vezes penso se seria bom ter
vontade de perguntar à minha
ausência a que fogo erguerei um dia a taça de alabastro transparente e
logo digo a esse pensamento que se vá porque a minha sede é de agora; a minha
sede é ser cacho de uvas nas manhãs e gesto em arco na celebração das noites; a
minha sede é ser viva nudez da sede e som de violino na linha do horizonte.
Perguntar o indecifrável ao indecifrável é habitar o inabitável e consagrar-me
ao esquecimento de mim. Negação, pois! Não, não terei essa vontade. A única
vontade que quero ter é a de ver palavras a florir nas veias por onde os meus dias
correm. Nem que seja um “Bom dia dona formiga, bom dia senhor Sol”. Essa é a
única vontade que quero ter, é a única folhagem em que quero ser pássaro, o
único vértice onde quero acumular os meus instantes, a única esteira do meu
navio. Para quê perguntar o que quer que seja à minha ausência? Por volúpia de
dúvida? Por ânsia de apoteose? Melhor subir às cavalitas do tempo e agitar os
braços a saudar os centauros que correm pelos bosques inquietando árvores e
gotas de orvalho. A arte de ser rio e relâmpago – isso sim… nisso vale a pena
pensar, nisso vale a pena ser pensamento. A minha ausência que fique… ausente. E
no entanto… enquanto lavro o terreno do agora negando qualquer semente que não
seja a dos momentos recém-nascidos em mim trabalha o imperscrutável mecanismo
do sentir e, quer queira quer não, sinto na palavra negação uma praia-sílaba igual
à que existe nas palavras criação e evolução.
Soares Teixeira – 09-04-2016
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