quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

"A MULHER LIBERTA" - Soares Teixeira






Onde estava o arado do canto?
onde estava o trigo da dança?
já nem sequer um sonho a cingir a cintura
já nem sequer uma concha de luz
seria ilusão aquela estrada sem destino?

pequenos passos
rapidamente guardados nos instantes
horizonte insatisfeito
sem asa de poema por cúpula
sem som de flauta por chão

mas eis que aconteceu…
a pequena chama que crepitava no peito
fez-lhe sentir o Sol à sua altura
e ela gritou
gritou-se!
erguendo bem alto os braços
como dois mastros de liberdade

depois já sem peso nos pés
já sem espinho na respiração
já sem véus de medo
chorou
e as suas lágrimas abraçaram
o voltar a ser a mulher
na manhã de uma íntima praia



Soares Teixeira – 10-02-2016
(© todos os direitos reservados)

"MISSA DO GALO". Machado de Assis - Soares Teixeira



terça-feira, 29 de dezembro de 2015

"COMO AS ÁRVORES" - Soares Teixeira



Diante de mim uma árvore
o seu sorriso
visto de frente
ou de qualquer ângulo
tem o mesmo rio
e o mesmo estuário
sem aquela vil brancura
encardida
que vejo no rosto de alguns animais
racionais…
sim…racionais…
mas nódoas na mesa de qualquer céu

antes o vinho derramado por falsos deuses
que os conspurcados sons
de uma lira tocada por gente de escamas ocultas
antes a flacidez de velhas prostitutas
que o aprumado gesto
da obscena malícia dissimulada

como as árvores!
como as árvores… sim…
como as árvores é que deviam ser
em árvores é que se deviam transformar
os que se contorcem em volúpia de mentira
e crescem em volutas de pântano e presunção

se enquanto gente
apenas sabem rastejar e rasgar gente
então que se transformem em algo decente
e árvores sejam
árvores… sim…
frondosas e sem recusar ramos aos pássaros




Soares Teixeira – 29-12-2015
(© todos os direitos reservados)

sábado, 19 de dezembro de 2015

"REFLEXÃO"




Como se chama aquele deus
que nasceu, viveu e morreu
dentro do seu próprio teatro?

Orgulho
murmura uma voz curvada
que se esconde num canto do peito

E o tempo passa
inútil querer ser mais que água
tudo é rio


Soares Teixeira – 19-12-2015
(© todos os direitos reservados)

sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

"NUM SECRETO TERRAÇO" - Soares Teixeira




Num secreto terraço
feito de um mármore de olhar e asa
e que se estende a um antes e depois
deste livro onde somos escritos
caminhar
lentamente
ser a espera, ser a porta
e ser o choro que escorre da chama
e ser também
veludo e aço
e estátua que emerge de chão nocturno
e sol a brilhar nas colunas dos séculos
e perguntar a um astro
que anda perdido no peito:
sou um copo pensativo
a rodar nos dedos do vento?
sou o corrimão de bronze cinzelado
de alguém que vive a máscara
do ser e do não ser?
sou a água de que vigília? De que sono?

Num secreto terraço
sabermo-nos
um além vitória e além derrota
um além certeza e além erro
um além e aquém  luz
além momento

Num secreto terraço
sabermo-nos
pálpebra nunca satisfeita
com o aproximar das coisas
e escapar
- fugir

Fugir
dentro de um poema
ser astronauta
ver outros mundos
descobrir-lhes as manhãs
e nelas  recomeçar



Soares Teixeira – 18-12-2015
(© todos os direitos reservados)