quarta-feira, 7 de outubro de 2015

"A FOTOGRAFIA" - Soares Teixeira




Eu ia num navio
à popa
e do convés olhava
como se voasse de dentro para fora de mim
de dentro para fora…
de fora para dentro…
em círculos
lentamente
sem qualquer pressa no prazer ou no ser
do meu lado esquerdo as terras do adeus
do meu lado direito as terras do nunca mais
é também assim o navio da vida
assim mesmo…
nenhuma pedra se repete
nenhum vento se repete
porque a pedra de hoje é o que eu sou ao vê-la hoje
- amanhã é outra porque eu serei outro
porque o vento de hoje é o que eu sou ao senti-lo hoje
- amanhã é outro porque eu não serei o mesmo
O céu crescia-me no peito de pássaro
no mar um rasto de espuma e outro de sol
Tirei uma fotografia à alma do instante
revejo-a agora com um sorriso marinheiro
não está lá, mas está
sim está!
vejo-o nitidamente e lembro-me de o ter sentido
tanto e tanto no meu convés de pestanas e abandono
lá está ele
esse rasto de saudade
a nascer do eu ser navio com casco de emoção
navio sim
imenso
como um sonho de Além
como um murmúrio a deslizar
dentro de um sopro de eternidade


Soares Teixeira – 07-10-2015
(© todos os direitos reservados)

terça-feira, 6 de outubro de 2015

"MAR" - Soares Teixeira




Sinto-me mar como tu
oh mar
deslumbrado
com o pulsar de tanta distância
com os olhos de tantas praias
com os ombros de tantas montanhas
mar
do primeiro ao último momento
deste gesto
com que me prolongo
para lá dos astros que trago nas veias

mar
ânsia de exílio na viagem
som de origem
som de sino do ser
silêncio apenas
segurando entre as sílabas
uma rosa de contemplação


Soares Teixeira – 06-10-2015
(© todos os direitos reservados)

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

"AQUI, EM VIGELAND" - Soares Teixeira


(Pormenor do Parque Vigeland em Oslo, Noruega)


Aqui, em Vigeland
quem somos?
ventos de perguntas já feitas?
arcos de respostas por acontecer?
uma centelha a incendiar um abismo?
uma escultura mais
entre estas que nos respiram?
um gesto mais
entre estes que em nós vivem o instante?
um olhar mais
entre estes que nos levam a outra página
- outra página de nós mesmos,
outra página e a mesma
- líquida unidade que procuramos na argila do Ser,
água do agora e do sempre
- rio, pétala a deslizar no rio, reflexo no rio

Aqui, em Vigeland
os músculos reúnem-se com a folhagem de bronze
as veias sacodem a pedra em flor
o íntimo acorda ao som de murmúrios
o íntimo é a concavidade que recebe o desassossego
o íntimo é um núcleo que não retém a sua força
o íntimo segreda silêncios finíssimos
o íntimo, ébrio de grito, grita, com maxilas de mistério

Aqui, em Vigeland
humanidade solar
horizonte, destino, inquietação,
ardor, acaso, dor
energia, sangue, profundidade
céu, abundância, ritmo
existência
expansão
condição
fragilidade
eterno
efémero
terrena ebriedade de todas as linguagens
aqui
a minha idade
é em mim
ser o poço mais fresco, a zona mais tranquila
o lápis mais afiado, a penumbra mais iluminada
aqui
onde sou aquilo que me completa
e tudo o que me falta
aqui, entre iguais
- os que ficam e os que caminham
a minha idade é
a promessa de me guardar, inteiro,
para o nunca ter idade
aqui, em Vigeland


Soares Teixeira – 05-10-2015
(© todos os direitos reservados)

domingo, 4 de outubro de 2015

"GLACIAR DE BRIKSDAL" - Soares Teixeira




Lá está o glaciar
vivo gelo, solene e absoluto
contemplo-o fascinado
respiro o leve cântico do ar
e sem pressa caminho
pelo caminho branco do olhar
espanto e silêncio
agrupam  todos os princípios
como se a eternidade
fosse em mim
espírito a começar


Soares Teixeira – 04-10-2015
(© todos os direitos reservados)

"DEMOGORGON", Álvaro de Campos - Soares Teixeira




quinta-feira, 1 de outubro de 2015

"FAÇAM-SE OS FIORDES" - Soares Teixeira





Corpos de água deslumbrados
com os declives do tempo e das montanhas
guardam a voz de deuses para além dos astros
voz intacta dentro de cada veia do silêncio

“Façam-se os Fiordes”

e nós frágeis pétalas de instante
a voar sobre a superfície líquida do prodígio
somos asas de olhar sem idade
leve respiração de alma, e nada mais

“Façam-se os Fiordes”

escutamos
e no peito surgem-nos grandes entradas de mar
que se estendem para lá dos ombros, sem peso
e nos tornam fantástica luz de liberdade


Soares Teixeira – 01-10-2015
(© todos os direitos reservados)