quarta-feira, 11 de março de 2015

"CÔNCAVO" - Soares Teixeira





Despertar

ser côncavo
para receber
a força da água da luz
e a força da luz da água
num adeus
às bocas de cantos erguidos
que não disfarçam
as seringas infectadas
e às bocas de cantos dissimulados
que não disfarçam
a ferrugem dos ferrolhos
côncavo
como um lugar
que se escreve
no livro do peito
côncavo
como aquele albergue
de veias e músculos
que mais ninguém conhece
só nós
câncavo
para compreender
como pode a mentira
ter mãos enormes
e calçar luvas de criança
sim côncavo

porque as pérolas não nascem
do ventre de rosas cantadas



Soares Teixeira – 11-03-2015
(© todos os direitos reservados)

terça-feira, 10 de março de 2015

"COMBOIO" - Soares Teixeira






Há um azul num desejo de espaços
e uma luz sem sono
num instante sempre inicial
há uma intimidade suspensa
e um céu sempre aberto
numa ilha dentro de mim

E há esta unidade
este ser igual
aos mistérios onde fui gerado
e esta inquietação
este estar no pensamento
como se nele florescesse todo o além

E tudo isto acontece
enquanto observo um comboio
dentro dum tempo distante
comboio onde da minha janela
eu via feliz o mundo passar
comboio que me deixou aquém



Soares Teixeira – 10-03-2015
(© todos os direitos reservados)

domingo, 8 de março de 2015

"MULHER" - Soares Teixeira





Mulher
primeira página
do livro do livros
Terra

Seios abertos aos céus
ancas a florir manhãs
braços com veias da deusa
onde o amor se faz árvore

Espaço do fogo e da água
casa da salvação
templo do abraço
e do presságio e da absolvição

Mulher
luta no limiar da sede
metade de qualquer homem
que em si saiba viajar no Ser



Soares Teixeira – 08-03-2015
(© todos os direitos reservados)

"NOITE DE VIAGEM" - Soares Teixeira





Noite de viagem

noite iluminada
pelo gesto do poema
e o poema
a liberta fornalha do desejo
abraçada a outra estrela igual
e ambas
a fazerem chegar à retina dos espaços
a sua fulgurante unidade
e ambas
a fazerem chegar aos tímpanos do tempo
os humanos sons do prazer
frescos e puros
belos e livres
como uma cascata de água
a cair de uma montanha

sem dúvida e sem engano



Soares Teixeira – 08-03-2015
(© todos os direitos reservados)

sexta-feira, 6 de março de 2015

"CAFÉ" - Soares Teixeira





hoje ao beber o café depois do jantar
surgiu-me a questão
serei tecto ou chão da minha condição?
porque em mim gosto da elegância dos cósmicos enigmas
e da intimidade das coisas primordiais
e dos mistérios que nascem das viagens da luz
sou tecto sim tecto com o tempo por telhado
e porque em mim gosto do núcleo do mundo
que dá origem ao campo magnético terrestre
e dos subterrâneos mares de rocha incandescente
e dos rios que atravessam grutas e das flores que me sorriem
sou chão sim chão com o alvoroço por estrada
é bom beber café depois da refeição
fica algo especial preenchido
gosto do aroma e do sabor
há neles um apelo à reflexão
açucar não uso
só no chá e nos beijos que ainda tenho para te dar
e colher também não meu amor
guardo-a para o mel de sermos vulcão a voar



Soares Teixeira – 06-03-2015
(© todos os direitos reservados)