domingo, 8 de março de 2015

"MULHER" - Soares Teixeira





Mulher
primeira página
do livro do livros
Terra

Seios abertos aos céus
ancas a florir manhãs
braços com veias da deusa
onde o amor se faz árvore

Espaço do fogo e da água
casa da salvação
templo do abraço
e do presságio e da absolvição

Mulher
luta no limiar da sede
metade de qualquer homem
que em si saiba viajar no Ser



Soares Teixeira – 08-03-2015
(© todos os direitos reservados)

"NOITE DE VIAGEM" - Soares Teixeira





Noite de viagem

noite iluminada
pelo gesto do poema
e o poema
a liberta fornalha do desejo
abraçada a outra estrela igual
e ambas
a fazerem chegar à retina dos espaços
a sua fulgurante unidade
e ambas
a fazerem chegar aos tímpanos do tempo
os humanos sons do prazer
frescos e puros
belos e livres
como uma cascata de água
a cair de uma montanha

sem dúvida e sem engano



Soares Teixeira – 08-03-2015
(© todos os direitos reservados)

sexta-feira, 6 de março de 2015

"CAFÉ" - Soares Teixeira





hoje ao beber o café depois do jantar
surgiu-me a questão
serei tecto ou chão da minha condição?
porque em mim gosto da elegância dos cósmicos enigmas
e da intimidade das coisas primordiais
e dos mistérios que nascem das viagens da luz
sou tecto sim tecto com o tempo por telhado
e porque em mim gosto do núcleo do mundo
que dá origem ao campo magnético terrestre
e dos subterrâneos mares de rocha incandescente
e dos rios que atravessam grutas e das flores que me sorriem
sou chão sim chão com o alvoroço por estrada
é bom beber café depois da refeição
fica algo especial preenchido
gosto do aroma e do sabor
há neles um apelo à reflexão
açucar não uso
só no chá e nos beijos que ainda tenho para te dar
e colher também não meu amor
guardo-a para o mel de sermos vulcão a voar



Soares Teixeira – 06-03-2015
(© todos os direitos reservados)

quinta-feira, 5 de março de 2015

"ARRAIAL" - Soares Teixeira





Durante quanto tempo mais
teremos de transferir o sonho
para a hora da claridade adiada?
Durante quanto tempo mais
teremos de guardar as cordas da lira
dentro de um canto de galo por acontecer?
Durante quanto tempo mais
teremos de mastigar
a voz sem madrugada?

Pulsos vazios sem garganta de mar
Dedos que já não sabem beber além
Voos virtuais numa estratosfera
de mundos inventados
Centos comerciais
para plantar o pinheiro da derrota

Aqui estamos
com o pleno direito de sermos consumidos
pelo consumo

Convém sorrir
as hienas agradecem o gostarmos de ser engano

Convém ser caixa de rapé
as hienas agradecem o sermos quem não sabe o que é

De vez em quando um “Arre porra que é demais”
para vender jornais

O resto
uma bola no relvado do fado
umas couves no quintal
e música pimba para animar o arraial




Soares Teixeira – 05-03-2015
(© todos os direitos reservados)

quarta-feira, 4 de março de 2015

"COM DESPREZO" - Soares Teixeira





é bom
existir no cálice dos dias
sinal que se está vivo
querem beber este vinho que me acolhe?
sim
é com vocês que falo
hipócritas
traidores
corruptos
canibais a partilhar a mesa da mentira
trinchando-se
comendo as carnes uns dos outros
olho-vos com desprezo
e no meu sorriso há cicuta
não disfarço
bebam-me
se forem capazes



Soares Teixeira – 04-03-2015
(© todos os direitos reservados)