quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

"AINDA" - Soares Teixeira





Manhã
o sol a libertar-se de cada coisa
o chão próximo dos deuses
no céu uma nuvem
lenta
para onde foram os pássaros
que se desprenderam das asas
voando apenas
em transparente existência
com forma de palavra
num vislumbre de poema
isso foi
já na polpa do descanso
lado a lado
mãos dadas
num sossego
de dedos em quase sono
isso foi
depois de nos termos consagrado
às laranjas e aos figos
que habitam os astros
libertando braços e pernas
como peixes atirados a um rio
ávido de mar
isso foi
depois  do vulcão
quando um no outro
esse mar chegou
isso foi
na praia
onde ainda caminhamos
leves aves
ainda a começar o mundo



Soares Teixeira – 12-02-2015
(© todos os direitos reservados)

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

"AMO-TE" - Soares Teixeira





Cada segundo nosso
é tempo recém-nascido
dum navio onde somos proa
ao longe
grandes sílabas solitárias
mexem as suas mandíbulas de ouro
num lento soltar de sons
que se misturam
com aqueles que saem
dos ombros das ondas
ao roçar na claridade dos espaços
cla     ri     da     de  
dos
es     pa     ços
a imensidade descansa
sobre a nossa junção de argilas
num único corpo
todas as torres do mundo
por nossa causa caminham
na mesma direcção
num pesado balanço
que as faz parecer quase ébrias
lá vão elas, contentes
dirigem-se para o sagrado lugar
onde três grandes sílabas se juntaram
para com as suas mandíbulas de ouro
fazerem ecoar até aos nossos lábios
esta unidade na carne em flor

amo-te



Soares Teixeira – 11-02-2015
(© todos os direitos reservados)

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

"AS PRIMEIRAS OLIVEIRAS" - Soares Teixeira



Foto do Website:  http://www.oliveirasmilenares.com.pt/


Começámos o tempo em nós
como se fossemos as primeiras oliveiras
a flutuar num espaço esquecido dentro do espaço
lugar aberto apenas para o erguermo-nos
através de uma qualquer origem
nossa
só nossa
dentro de palavras soletradas pelo beijo
íntima linguagem que demos a conhecer
a um silêncio na flor do vazio
Assim nos começámos
foi mesmo assim
lembras-te luar de abril?
lembras-te cósmico pardal de luz?
e tu, meu amor, lembras-te?
foi mesmo assim
abraçados
oliveiras num extenso percurso de lábios
e em sucessivas ondas de indolência e princípio
as primeiras
de um tempo que continua em nós



Soares Teixeira – 10-02-2015
(© todos os direitos reservados)

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

"ABSTRAÇÃO" - Soares Teixeira





Viajar…
agora mesmo viajei
num ápice quase eterno
viajei
não sei à garupa de que ausência
sei apenas que viajei
para um insondável longe
tão longe como o mistério de estar vivo
Começei por construir o meu corpo
inteiramente novo
inteiramente feito de distância
e subi no vento
e quando pousei estava numa abstração
Depois construí uma torre de mistério e rosas
e cada pedra era pura música
e cada janela eram arcos de silêncio
e por portas havia luz
e por tecto água sem nome
Depois sentei-me no parapeito
de uma dessas janelas
e lentamente comi o fruto de um pensar
que estar ali
é esta praia
a ser daqui e de qualquer outro lugar



Soares Teixeira – 09-02-2015
(© todos os direitos reservados)

domingo, 8 de fevereiro de 2015

"ONDE EU ESTIVER" - Soares Teixeira





Onde eu estiver
em mim estarei
no centro do olhar do sol
que me acendeu para os dias
e nas minhas mãos
haverá sempre
um crescer de perguntas
que como pedras
lançarei ao vento do tempo

Onde eu estiver
em todo o lado estarei
construído a cada instante
pela ave que acorda
cada coisa que me fala

Onde eu estiver
a minha sede será de distância
e no meu corpo
de folhagem de infinito
ondularão sempre
as respostas que jamais terei



Soares Teixeira – 08-02-2015
(© todos os direitos reservados)