quinta-feira, 20 de novembro de 2014

"VOU SENDO" - Soares Teixeira







De quase em quase
vou sendo
quase recém nascido
de cada instante que me bebe
e vou ondulando para esquecer          
que debaixo do palácio das cores
há um rio subterrâneo
que nasce do silêncio das dores
às vezes sou deserto
onde poisam todos os ventos
às vezes floresta
onde crescem árvores de mim mesmo
às vezes mar
como estas palavras tão cheias de peixes
e é isso
vou ondulando como se voasse
na transparência de um jogo
onde sou jogado sobre uma mesa
sem matéria
a viajar no espaço
igual aos outros dados
cão cadeira búzio brinquedo
conforta-me saber que
ar escreve-se
com a tinta de um tinteiro
de vazio azul



Soares Teixeira – 20-11-2014
(© todos os direitos reservados)

terça-feira, 18 de novembro de 2014

"EM VÃO" - Soares Teixeira








Um astro
na palma da mão?

que astro?
aquele ponto a brilhar?
aquela incandescente evidência
da linguagem dos espaços?
será ele um potro de luz
acabado de nascer?
será ele tumulto de fim
num arder de saudade
prestes a morrer?
ainda existe
aquele astro?
ou é apenas memória?
tempos passados
idos
e assim vividos
pelas distâncias
tempos desaparecidos
mas ainda futuros?

que mão
esta extremidade de braço?
este promontório de dedos?
esta contemplação de gesto?
será um barco antigo levado
pela mesma magia de vento
que soprou de panos a acenar?
será um músculo
a libertar alguém da monotonia?
será uma veia
envolta pela carne da liberdade?
ou é apenas uma sonâmbula
alada vontade de longe
sem relâmpago nas asas
nem universo no caminho?
será ainda ascensão de pálpebras?
será ainda apoteose de peito?
ou brasas quase apagadas
de um sol desfeito?

tudo em vão



Soares Teixeira – 18-11-2014
(© todos os direitos reservados)

domingo, 16 de novembro de 2014

"SONHOS" - Soares Teixeira







Sonhos

filhos aéreos
da íntima viagem
do olhar

leveza de murmúrios líquidos
de nascentes a brilhar
entre secreta folhagem

toalhas de linho e lira
sobre a mesa posta
para o banquete da ilusão

Sonhos
o que são?
respiração do pensamento?
uvas da vinha do desejo?

Já não sei

Apenas sei
das ilhas
nas velas dos veleiros
das viagens nascidas
dos dias derradeiros
das flores esquecidas
nas salas das sílabas



Soares Teixeira – 16-11-2014
(© todos os direitos reservados)

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

“AH SIM, SER!” - Soares Teixeira







Ah sim hei-de ser gôndola em Saturno
onde o meu navegar será nascente
de sonhos de nudez resplandecente
na frescura da luz de um sol nocturno

taciturno bosque
de onde o verde está ausente
bosque cinzento em cinza de gente
diurno hás-de ser

porque hei-de ser azul olhar de flor
porque hei-de ser sul em salto de rã
hei-de ir embora sim ir rumo à cor

far-me-ei romã sim     Ah sim, ser!
deixarei a dor de triste bosque
a gritar amanhã em gruta de agora



Soares Teixeira – 12-11-2014
(© todos os direitos reservados)

domingo, 9 de novembro de 2014

"TERTÚLIA" - Soares Teixeira




Foto de Mafalda Lobo. Tertúlia "As nossas palavras". Café Martinho da Arcada, 07-11-2014



Agora sou eu
é a minha vez de ser palavra
com coluna vertebral e músculos
e estendo o poema
em movimento de ondulante unidade
como se estendesse um lençol
sobre a relva recém-nascida
de um instante que me leva às cavalitas
brancura onde me sinto inicial
voz em mim a corar ao sol
Agora és tu
é a tua vez de soltar luares ao vento
verbos que voam
sentados à garupa de versos
com cascos de ouro
quadris incandescentes
e infinitas crinas de luz
e estenderes-te em palavra
até às veias dos silêncios ausentes
e neles celebrares o Pégaso da poesia
Agora somos nós
folhagem da grande árvore mãe
irmãos nos mistérios e na alegria
a caminhar nas distâncias
que a partilha mantém intactas
silabas em gozo de céu a brilhar
nos olhos com que brindamos
o sermos todos o poema maior
o sempre frondoso início
da liberdade numa manhã em flor



Soares Teixeira – 08-11-2014
(© todos os direitos reservados)