domingo, 12 de outubro de 2014
quinta-feira, 9 de outubro de 2014
"OS GATOS" - Soares Teixeira
Daisy
Os gatos
acreditam no sexto sentido das estrelas, por isso a sua a respiração é a
procura do peito da noite e nas suas caudas há rios onde se refletem relâmpagos
e nas suas patas há abóbadas por decifrar e nos seus olhos há sempre luas
cheias. Os gatos sabem onde encontrar grilos vestidos de cometa e anjos
acocorados sobre colunas de topázio e barcos fenícios carregados de lendas e
peixes de vento em praias a sonhar amantes. Gato que se preze tem o seu
pé-de-meia: pelo menos sete saltos impossíveis em sete vidas para acontecer,
sete histórias de piratas escritas no dorso – para quem as souber ler -, sete reinos
transparentes com sete tronos à sua espera e ainda sete princesas nuas a dançar
a dança das sete quimeras. Os gatos fazem perguntas às perguntas e respondem às
respostas e bebem sede de silêncio e são silêncio de sede bebida e miam como se
abrissem portas em sono côncavo. Os gatos, porque são gatos, entrelaçam os seus
passos com dias a ser memória das esquinas e bocejam em geografias de outras
existências e quando se sentam sobre as patas de trás são ausências expostas na
sua ostensiva presença. Completos, incompletos; partida, chegada; segredo,
revelação, concretos, abstratos; calma, alvoroço – gatos. Os gatos são inexplicáveis
explicações da cor que vibra, da flor que canta, da mesa que flutua, da ave
transformada em harpa, dos lábios feitos de uvas. Sei tudo isto porque um gato
mo contou. Esse que tens no olhar.
Soares Teixeira – 09-10-2014
(© todos os direitos reservados)
terça-feira, 7 de outubro de 2014
"INICIAL" - Soares Teixeira
Inicial
o pássaro voa
a legenda é de
silêncio
o resto
é tempo que se
escoa
dentro do sonho
de uma rosa
eu
sempre horas da
cabeça aos pés
abro as mãos
e deixo cair o
tempo
com o
sentimento e o sentir
de que às vezes
é bom
recordar o
futuro
à proa do
passado
sem contraluz
sem praia
adiada
de lágrima
intacta
no baú da
emoção
leve
com aquela
leveza que consente
no peito uma
gare de comboio
no olhar uma
curva de adeus
na boca um
sabor a viver
livre
sem estar
legendado
sem estar
rotulado
sem ser inverno
da minha ilusão
inicial
Soares Teixeira – 07-10-2014
(© todos os direitos reservados)
segunda-feira, 6 de outubro de 2014
domingo, 5 de outubro de 2014
"TRAPEZISTAS" - Soares Teixeira
Porquê um
poema?
porque sou
árvore e tenho sede
porque uma
formiga se abre em leque
porque uma
montanha cabe dentro da pupila
porque o mar é
uma flor ao vento
e os pássaros transportam deuses nos bicos
o poema
purifica
toca o rio que
percorre todas as distâncias
toca o ser e o
não ser que habita debaixo da pele
toca a secreta
e tumultuosa superfície dos corpos
toca o peixe e
o trigo que voam do teu olhar
para o azul de onde se libertam todos os
princípios
o poema sabe a
astro
e escorre na
garganta como luz e mel
e penetra na
carne com intimidade de nuvem
e acaricia as
veias que navegam nos dias
e revela à alma
os mistérios que habitam
na jovial liberdade das palavras
assombra
o poema
e é preciso que
assombre
para que
desassombrados sejamos
os tais
trapezistas
que as pálpebras nos pedem para ser
Soares Teixeira – 05-10-2014
(© todos os direitos reservados)
segunda-feira, 29 de setembro de 2014
"JARDIM DO ALÉM" - Soares Teixeira
Com um beijo
transformaremos
o jardim branco
que entre nós
ainda existe
e um no outro
seremos a líquida rosa
que dará cor
às flores que perguntam
ao limiar do horizonte
para quando
a prometida água solar
Olha-me
olhos nos olhos
é fácil
há tempo no tempo
para que o nosso olhar
abra as portas dos instantes
é fácil
basta querermos ser o uivo sideral
de um lobo renascido
basta querermos ser o interior
de um peixe em movimento
Olha-me
olhos nos olhos
de flauta para flauta
de lua para lua
de nascente para nascente
de resina para resina
de incêndio para incêndio
Olha-me
olhos nos olhos
como se as nossas pupilas fossem mãos
no cimo de uma montanha
erguida sobre as costas de um insecto
que sem saber a transporta
fácil
diria se lhe preguntássemos
como se as nossas pupilas fossem mãos
no oásis de um deserto
unidas pela sombra de uma palmeira a dançar
sobre os segredos das noites e dos dias
fácil
diria se lhe perguntássemos
Olhos nos olhos
olha-me como quem vê
para lá para lá do musgo que cresce na pedra
para lá do que passa e do que fica
olha-me como quem procura
e procurando se deixa procurar
Olhos nos olhos
caminhos a voar pelo ar
que floresce da atmosfera
cisnes com asas de harpas
a sussurrar sons de estrelas
vitória dos cálices à beira-mar
cantada por piratas e poetas
firmamento das regiões humanas
onde cintilam corações prestes a nascer
Olhos nos olhos
fácil
dizem as aves
Esperar para quê?
para quê guardar o sopro da palavra?
para quê adiar o relâmpago sobre o mar?
Não vamos fazer esperar mais
a página vazia de gotas, auroras e poentes
não vamos guardar mais
a luz dentro dos pulmões
não vamos parar relógios de sangue e carne
ávidos de versos a libertar pardais
abracemo-nos
membranas que somos da incandescência
espirais que somos de cavalos a galope
verbo que somos de mundos a emergir
abracemo-nos pois
como quem abraça o sol que de si nasce
abracemo-nos pois
para que se cumpra o princípio
Solte-se o fogo-de-artifício
soem bombos e pandeiretas
que comece a festa
e em festa
deixemos que a vontade dos lábios
seja a asa que comanda o ser
deixemos que no templo dos lábios
a lei seja a do cometa apaixonado
deixemos que o ritual dos lábios
seja a celebração do vinho e do mel
abracemo-nos pois
poemas a respirar uma nova maresia
cúpulas a flutuar na manhã de um sino
mesa posta para a unidade
abracemo-nos pois
e que se cumpra o beijo
rubro
aceso
beijo longo a transbordar para as margens
férteis
do jardim branco
jardim ainda aquém
aquém do mistério
aquém do significado dos signos
aquém do amor aberto em arte
aquém da arte aberta em lua
aquém de lua aberta em nós
abracemo-nos em eternidade de beijo
abracemo-nos em luz de beijo
beijo de além
além semente
além mirante
além ostra
além astro
beijo de prodígio
beijo encantado
líquida rosa
fantástico princípio de todas as quimeras
no jardim branco dos que ainda são
esboço do seu percurso
É fácil
diremos depois
já mil cores
já arco-íris em cada segundo
É fácil
diremos depois
com a linguagem da pele
É fácil
dirão os nossos cabelos verdes
É fácil ser descoberta no jardim do além
este jardim que sorri
aos que em si iniciados
iniciaram a nova era das flores
dirão os nossos gestos de azul a rolar no azul
Fácil
Beijemo-nos pois
sem demora
para que todas as nossas pétalas
possam ser a alegria
da liberdade lançada aos ventos
Soares Teixeira – 29-09-2014
(© todos os direitos reservados)
quinta-feira, 25 de setembro de 2014
Subscrever:
Mensagens (Atom)