domingo, 17 de agosto de 2014

"SAÚDO-VOS, IRMÃS MONTANHAS" - Soares Teixeira





(Andorra, 13-08-2014)


Aqui me têm, montanhas
diante de todo o além que libertam
e de todo o além que ocultam
aqui me têm
no primeiro momento dum silêncio que se completa
no primeiro momento dum olhar entoado pela leveza
no primeiro momento dum sentir infância nos espaços
no primeiro momento duma outra dimensão que se abre
corpo?
sim tenho um corpo
e ele é o vosso convés, montanhas
e ele tem a pele dos lagos
e ele tem o cântico das árvores
e ele tem o gosto a céu
ele é o caminho que pertence aos caminhos
e é neste corpo que partilho convosco
que cresce a hera da unidade, da unanimidade, do absoluto,
do imemorável, do inominável

O que me rodeia afinal?
o que habita o íntimo murmúrio da placidez que me recebe?
o poema
com astros no lugar dos olhos, distâncias no lugar dos lábios,
sede nos arcos dos gestos,

Diante de vós o que sou?
centro e orla; de presença e ausência, de princípio e fim
flor ancestral de pétalas estendidas no tempo
polpa de êxtase e fronteira para lá dos dias
uma nota mais na partitura do eterno

Saúdo-vos, irmãs montanhas
e porque viemos do mesmo cataclismo cósmico
ascendo dentro da boca da palavra
e a palavra é verbo
e o verbo é renascer
renasço, renascemos
o vosso respirar é o meu
e com a veemência do instante que ilumina a viagem
olho-vos para lá da liberdade de olhar
olho-vos e sou pássaro que vos leva nas asas
e juntos voamos rumo à incandescência da primeira sílaba

Espera-nos a frescura do sol inicial



Soares Teixeira – 17-08-2014
(© todos os direitos reservados)

domingo, 10 de agosto de 2014

VLADIMIR HOROWITZ - 1º AND. "SONATA AO LUAR", BEETHOVEN





Uma das mais sublimes interpretações que já ouvi deste sublime 1º andamento da Sonata ao Luar de Beethoven. Belo, transcendência total, compreensão absoluta desta fabulosa peça, domínio absoluto da alma do piano.

"A RESPOSTA" - Soares Teixeira








Um dia oferecer-me-ás a resposta
lua cheia grávida de mistério
um dia quando entre duas colinas de vento
o meu corpo deixar de ser irmão da sede
nesse dia quando eu - leve mais leve
que a mesa transparente onde os deuses bebem vinho
habitar o caule do infinito
nesse dia darás à luz a resposta
àquela pergunta que intacta
ambos guardamos na água do nosso compromisso
por enquanto é de âmbar e ametista
a minha sombra de tigre a caminhar na selva
às vezes troco o alimento pelo voo que me é oferecido
(ah frágeis asas que me nascem nos ombros e nos pulsos)
sim troco      e vou - a voar a voar
como se uma cúpula sem matéria me chamasse
vou sim
até que chegue o dia
aquele dia
em que caminhando sobre a incandescência das pétalas esquecidas
atravessarei o meu nome
e tu espera em mim serás então resposta em mim
um dia
não tenho pressa
apesar das sombras o mundo canta instantes belos



Soares Teixeira – 10-08-2014
(© todos os direitos reservados)

sábado, 9 de agosto de 2014

"NAVEGANTE DOS CÉUS" - Soares Teixeira








Aqui me tens palavra
desembarco na tua praia
e olho para a tua floresta
com agudo olhar
caminho como um barco transparente
semelhante àquele que aqui me trouxe
feito de horizonte e unanimidade
aqui me tens
navegante dos céus
que estão dentro das asas
do grande pássaro do tempo
um sonoro silêncio verde chama por mim
a frescura da água despede-se dos meus pés
e eu vou a voar
para o arbusto que me espera

 
Soares Teixeira – 09-08-2014
(© todos os direitos reservados)

"NAVIO DE MÃOS" - Soares Teixeira









Na ardósia do olhar
deixar que o sol escreva azul
e viver a palavra
e nela ser
a gaivota que escreve o poema
lido pelo desejo de ombros nus
depois ir
como rio que se desprende do leito
e consigo leva secretos peixes
nascidos antes das estrelas
ir
como navio de mãos
que afasta os lírios das distâncias
ir
como quem respira os instantes
com a certeza que chegar
é estar prestes a partir



Soares Teixeira – 09-08-2014
(© todos os direitos reservados)

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

"LIVRO DE HORAS", Miguel Torga - Soares Teixeira