domingo, 20 de julho de 2014

"A OBRA" - Soares Teixeira









A cintilar
as mãos do sol
segredam
aos ouvidos do mar
palavras perfumadas
com óleos de astros
palavras incandescidas
nas fornalhas das distâncias
palavras amadurecidas
em pomares de amanhã
palavras húmidas
com o orvalho dos enigmas
palavras a vibrar
num vazio onde sopram sonhos
vejo a obra
opulenta abundância
em magnífico horizonte
sou o ninguém que se ausenta de mim
para ir
sem respiração nem medida
penetrar na música
que unifica
todos os mistérios
“Sim, vem!”
dizem-me os poros dos instantes
“Sim, vou!”
responde o meu cântico
aceso
sobre as suaves colinas
do mar



Soares Teixeira – 20-07-2014
(© todos os direitos reservados)

sexta-feira, 18 de julho de 2014

"AQUELE DIA" - Soares Teixeira









Aquele dia foi a casa que habitámos
o vento deu-nos nomes de árvores
o sol concordou e os peixes também
só as ondas acharam que deveríamos
ter nomes de navios
concordámos
com o sol com o vento e com as ondas
e fomos
dois veleiros vivos
de mãos dadas – dedos de espuma
como aquela que nos atravessava os pés
(fresca liberdade das sílabas marítimas)
Já o céu estava vermelho e a lua se mostrava
em sorriso e carne
ainda nós caminhávamos naquela casa de praia
que habitávamos
toda ela horizonte de ar e alma
toda ela mundo inicial
e nós nomes de árvores
sem corpo
porque o deixámos na boca de pássaros
que tinham sede de amor




Soares Teixeira – 17-07-2014
(© todos os direitos reservados)

terça-feira, 15 de julho de 2014

"PLENITUDE" - Soares Teixeira








Aqui
cheia de lua
a noite
por isso tão cheia de mim

aqui
de veias e sílabas abertas
ao veemente poema
que brilha na unidade
aqui
sopro liberto dos meus olhos
ânfora liberta da minha pele
pássaro liberto da minha respiração
aqui
acesa colina de absoluto
pulsante proa de navio
apoteose de esferas inaugurais
aqui
aqui     vagar a nascer
aqui     entre uma biblioteca de astros
aqui     diante de um livro sem matéria

aqui
cheio de lua
este que flutua
dentro de mim



Soares Teixeira – 12-07-2014
(© todos os direitos reservados)

sábado, 5 de julho de 2014

"LER" - Soares Teixeira









Ler
até penetrar
na medula do desassossego
depois abraçar o livro
como ilha a abraçar um pássaro
levantar a cabeça
e escutar
que entre o murmúrio da água
há um malmequer que reza
na nascente oculta

inspirar… devagar…
respirar fundo
o além em nós
e ir
ir
na linha da palavra
ir
com o imenso prazer
de saber
que chegar
é uma viagem
um horizonte a acontecer
uma distância por cumprir
ler     até pensar
ler     até ser



Soares Teixeira – 05-07-2014
(© todos os direitos reservados)

quinta-feira, 3 de julho de 2014

"AQUI ESTAMOS" - Soares teixeira









Aqui estamos, na imaginação de um pássaro lunar. E tão reais. Tão reais como asas de rosas embriagadas. Como é bom habitarmos a pausa das horas, caminharmos na superfície renascida de um mostrador de relógio onde os números ficaram entregues ao esquecimento – já nada significam, nada representam, nada contam, são apenas caracteres, desenhos a decorar o chão onde somos veleiros de desejo e descoberta. Foi ao mesmo tempo que pegámos nos ponteiros e os arremessámos, como duas setas, ao acaso, com toda a força deste beijo. Deixemo-los, a atravessar vísceras de luz, silêncios sem nome, sílabas de inomináveis mistérios, fundos marinhos de oceanos astrais; deixemo-los, abandonados aos espaços - enquanto nós nos abandonamos à força que vibra nos abismos das veias e dos músculos; enquanto os nossos dedos, com minúcia de formigas, se demoram sobre o gozo da pele; enquanto as nossas asas desenham voos largos sobre as praias em que nos tornámos, praias tão nossas como o ar que respiramos com as nossas gargantas de tigres solares. Se merecemos uma antiquíssima flauta a celebrar a nossa navegação?  Sim merecemos! Se merecemos o prodigioso galope de um cavalo ainda por nascer? Sim merecemos! Se merecemos a incorruptível juventude das cores? Sim merecemos! Se merecemos a alegria do trigo? Sim merecemos! Se merecemos a limpidez das águas sem máscara? Sim merecemos! Merecemos! Oh se merecemos! Aqui, nesta pausa sem filtro, nesta pausa sem ponteiros, nesta pausa onde na planície primordial somos a taça por onde nos bebemos, sim, merecemos merecer-nos! Sim! Por isso somos tão reais, tão reais como asas de rosas embriagadas, por isso este nosso beijo - tão acordado como o Sol.



Soares Teixeira – 03-07-2014
(© todos os direitos reservados)