Aqui
estamos, na imaginação de um pássaro lunar. E tão reais. Tão reais como asas de
rosas embriagadas. Como é bom habitarmos a pausa das horas, caminharmos na
superfície renascida de um mostrador de relógio onde os números ficaram
entregues ao esquecimento – já nada significam, nada representam, nada contam,
são apenas caracteres, desenhos a decorar o chão onde somos veleiros de desejo
e descoberta. Foi ao mesmo tempo que pegámos nos ponteiros e os arremessámos, como
duas setas, ao acaso, com toda a força deste beijo. Deixemo-los, a atravessar
vísceras de luz, silêncios sem nome, sílabas de inomináveis mistérios, fundos
marinhos de oceanos astrais; deixemo-los, abandonados aos espaços - enquanto
nós nos abandonamos à força que vibra nos abismos das veias e dos músculos;
enquanto os nossos dedos, com minúcia de formigas, se demoram sobre o gozo da
pele; enquanto as nossas asas desenham voos largos sobre as praias em que nos
tornámos, praias tão nossas como o ar que respiramos com as nossas gargantas de
tigres solares. Se merecemos uma antiquíssima flauta a celebrar a nossa
navegação? Sim merecemos! Se merecemos o
prodigioso galope de um cavalo ainda por nascer? Sim merecemos! Se merecemos a
incorruptível juventude das cores? Sim merecemos! Se merecemos a alegria do
trigo? Sim merecemos! Se merecemos a limpidez das águas sem máscara? Sim
merecemos! Merecemos! Oh se merecemos! Aqui, nesta pausa sem filtro, nesta
pausa sem ponteiros, nesta pausa onde na planície primordial somos a taça por
onde nos bebemos, sim, merecemos merecer-nos! Sim! Por isso somos tão reais, tão
reais como asas de rosas embriagadas, por isso este nosso beijo - tão acordado
como o Sol.
Soares Teixeira – 03-07-2014
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