terça-feira, 15 de julho de 2014

"PLENITUDE" - Soares Teixeira








Aqui
cheia de lua
a noite
por isso tão cheia de mim

aqui
de veias e sílabas abertas
ao veemente poema
que brilha na unidade
aqui
sopro liberto dos meus olhos
ânfora liberta da minha pele
pássaro liberto da minha respiração
aqui
acesa colina de absoluto
pulsante proa de navio
apoteose de esferas inaugurais
aqui
aqui     vagar a nascer
aqui     entre uma biblioteca de astros
aqui     diante de um livro sem matéria

aqui
cheio de lua
este que flutua
dentro de mim



Soares Teixeira – 12-07-2014
(© todos os direitos reservados)

sábado, 5 de julho de 2014

"LER" - Soares Teixeira









Ler
até penetrar
na medula do desassossego
depois abraçar o livro
como ilha a abraçar um pássaro
levantar a cabeça
e escutar
que entre o murmúrio da água
há um malmequer que reza
na nascente oculta

inspirar… devagar…
respirar fundo
o além em nós
e ir
ir
na linha da palavra
ir
com o imenso prazer
de saber
que chegar
é uma viagem
um horizonte a acontecer
uma distância por cumprir
ler     até pensar
ler     até ser



Soares Teixeira – 05-07-2014
(© todos os direitos reservados)

quinta-feira, 3 de julho de 2014

"AQUI ESTAMOS" - Soares teixeira









Aqui estamos, na imaginação de um pássaro lunar. E tão reais. Tão reais como asas de rosas embriagadas. Como é bom habitarmos a pausa das horas, caminharmos na superfície renascida de um mostrador de relógio onde os números ficaram entregues ao esquecimento – já nada significam, nada representam, nada contam, são apenas caracteres, desenhos a decorar o chão onde somos veleiros de desejo e descoberta. Foi ao mesmo tempo que pegámos nos ponteiros e os arremessámos, como duas setas, ao acaso, com toda a força deste beijo. Deixemo-los, a atravessar vísceras de luz, silêncios sem nome, sílabas de inomináveis mistérios, fundos marinhos de oceanos astrais; deixemo-los, abandonados aos espaços - enquanto nós nos abandonamos à força que vibra nos abismos das veias e dos músculos; enquanto os nossos dedos, com minúcia de formigas, se demoram sobre o gozo da pele; enquanto as nossas asas desenham voos largos sobre as praias em que nos tornámos, praias tão nossas como o ar que respiramos com as nossas gargantas de tigres solares. Se merecemos uma antiquíssima flauta a celebrar a nossa navegação?  Sim merecemos! Se merecemos o prodigioso galope de um cavalo ainda por nascer? Sim merecemos! Se merecemos a incorruptível juventude das cores? Sim merecemos! Se merecemos a alegria do trigo? Sim merecemos! Se merecemos a limpidez das águas sem máscara? Sim merecemos! Merecemos! Oh se merecemos! Aqui, nesta pausa sem filtro, nesta pausa sem ponteiros, nesta pausa onde na planície primordial somos a taça por onde nos bebemos, sim, merecemos merecer-nos! Sim! Por isso somos tão reais, tão reais como asas de rosas embriagadas, por isso este nosso beijo - tão acordado como o Sol.



Soares Teixeira – 03-07-2014
(© todos os direitos reservados)

domingo, 29 de junho de 2014

"NÃO, NÃO ME RETIRO DE MIM" - Soares Teixeira








Não, não me retiro de mim. No meu corpo circula o sangue de tudo o que não tem peso; daquele planeta distante onde as árvores abrem as suas almas às estrelas; daquela página de água onde os peixes escrevem viagens e mistérios, com palavras de longas barbatanas translúcidas; daquele odor a argila que se liberta dos recantos das lendas; daquela vibração que se prolonga do eco das perguntas das montanhas; daquela sabedoria solar que faz com que a luz cresça dentro do pássaro, da pedra e da flor; daquele touro que não conhece a sua nudez, nem a nudez da terra nem qualquer outra nudez; daquele canteiro de sílabas  que está junto da porta do horizonte; daquele abraço inaugural com que os rios correm para o sonho; daquele porto que o incrível prometeu aos navios das coisas e dos olhares. Não, não me retiro de mim. Incorporo o relâmpago no gesto com que me liberto para a sublevação das cores, incorporo o som estridente das pandeiretas da liberdade, incorporo o ar recém-nascido da descoberta. A minha túnica foi tecida com fios de vento e vou descalço como luar que beija o orvalho - assim celebro o fogo sagrado. Não, me retiro de mim.


Soares Teixeira – 28-06-2014
(© todos os direitos reservados)

domingo, 22 de junho de 2014

"SOLSTÍCIO DE VERÃO" - Soares Teixeira









Solstício
mais uma vez
Dádiva aberta
pelas portas do tempo

Há sempre um silêncio
no rumor do vento
há sempre um olhar
íntimo de uma manhã
há sempre um caminho
no aroma a maresia

Abre os braços
recebe o óleo solar
que deseja a tua pele
recebe a água de luz
que deseja a tua sede
recebe a respiração do além
que deseja o teu íntimo universo
Ave de espuma
vértebra de imensidade
palavra de pedra transparente
carne liberta
da árvore por nascer
beijo do absoluto
nas pálpebras das colinas
porosa penumbra
que abraça o êxtase
Êxtase
de ser promontório
do sentimento
e o sentimento
é amor
ao círculo incandescente
que celebra a unidade



Soares Teixeira – 21-06-2014
(© todos os direitos reservados)