quinta-feira, 3 de julho de 2014

"AQUI ESTAMOS" - Soares teixeira









Aqui estamos, na imaginação de um pássaro lunar. E tão reais. Tão reais como asas de rosas embriagadas. Como é bom habitarmos a pausa das horas, caminharmos na superfície renascida de um mostrador de relógio onde os números ficaram entregues ao esquecimento – já nada significam, nada representam, nada contam, são apenas caracteres, desenhos a decorar o chão onde somos veleiros de desejo e descoberta. Foi ao mesmo tempo que pegámos nos ponteiros e os arremessámos, como duas setas, ao acaso, com toda a força deste beijo. Deixemo-los, a atravessar vísceras de luz, silêncios sem nome, sílabas de inomináveis mistérios, fundos marinhos de oceanos astrais; deixemo-los, abandonados aos espaços - enquanto nós nos abandonamos à força que vibra nos abismos das veias e dos músculos; enquanto os nossos dedos, com minúcia de formigas, se demoram sobre o gozo da pele; enquanto as nossas asas desenham voos largos sobre as praias em que nos tornámos, praias tão nossas como o ar que respiramos com as nossas gargantas de tigres solares. Se merecemos uma antiquíssima flauta a celebrar a nossa navegação?  Sim merecemos! Se merecemos o prodigioso galope de um cavalo ainda por nascer? Sim merecemos! Se merecemos a incorruptível juventude das cores? Sim merecemos! Se merecemos a alegria do trigo? Sim merecemos! Se merecemos a limpidez das águas sem máscara? Sim merecemos! Merecemos! Oh se merecemos! Aqui, nesta pausa sem filtro, nesta pausa sem ponteiros, nesta pausa onde na planície primordial somos a taça por onde nos bebemos, sim, merecemos merecer-nos! Sim! Por isso somos tão reais, tão reais como asas de rosas embriagadas, por isso este nosso beijo - tão acordado como o Sol.



Soares Teixeira – 03-07-2014
(© todos os direitos reservados)

domingo, 29 de junho de 2014

"NÃO, NÃO ME RETIRO DE MIM" - Soares Teixeira








Não, não me retiro de mim. No meu corpo circula o sangue de tudo o que não tem peso; daquele planeta distante onde as árvores abrem as suas almas às estrelas; daquela página de água onde os peixes escrevem viagens e mistérios, com palavras de longas barbatanas translúcidas; daquele odor a argila que se liberta dos recantos das lendas; daquela vibração que se prolonga do eco das perguntas das montanhas; daquela sabedoria solar que faz com que a luz cresça dentro do pássaro, da pedra e da flor; daquele touro que não conhece a sua nudez, nem a nudez da terra nem qualquer outra nudez; daquele canteiro de sílabas  que está junto da porta do horizonte; daquele abraço inaugural com que os rios correm para o sonho; daquele porto que o incrível prometeu aos navios das coisas e dos olhares. Não, não me retiro de mim. Incorporo o relâmpago no gesto com que me liberto para a sublevação das cores, incorporo o som estridente das pandeiretas da liberdade, incorporo o ar recém-nascido da descoberta. A minha túnica foi tecida com fios de vento e vou descalço como luar que beija o orvalho - assim celebro o fogo sagrado. Não, me retiro de mim.


Soares Teixeira – 28-06-2014
(© todos os direitos reservados)

domingo, 22 de junho de 2014

"SOLSTÍCIO DE VERÃO" - Soares Teixeira









Solstício
mais uma vez
Dádiva aberta
pelas portas do tempo

Há sempre um silêncio
no rumor do vento
há sempre um olhar
íntimo de uma manhã
há sempre um caminho
no aroma a maresia

Abre os braços
recebe o óleo solar
que deseja a tua pele
recebe a água de luz
que deseja a tua sede
recebe a respiração do além
que deseja o teu íntimo universo
Ave de espuma
vértebra de imensidade
palavra de pedra transparente
carne liberta
da árvore por nascer
beijo do absoluto
nas pálpebras das colinas
porosa penumbra
que abraça o êxtase
Êxtase
de ser promontório
do sentimento
e o sentimento
é amor
ao círculo incandescente
que celebra a unidade



Soares Teixeira – 21-06-2014
(© todos os direitos reservados)

quarta-feira, 11 de junho de 2014

"POETISA" - Soares Teixeira









Cresço na pergunta que te quero fazer
rapto-te da tua órbita
encosto-te a um planeta ignorado
e sussurro-te ao ouvido:
Como queres que te chame?
centelha de silêncio, ebriedade,
manhã do desejo, amante,
musa, fêmea dos seios fulgurantes,
ou sacerdotisa?

Mordes-me os lábios
consinto ser fruto acabado de colher
abraças-me
sou riso de ser onda a nascer dos espaços
rimo-nos da nossa carne transparente
libertamo-nos de tudo o que dos outros há em nós

Iniciamos a nova era do relâmpago?
perguntas-me
Sim Lua sim e como te chamarei?
olhas-me nos olhos
unidade
neste novo planeta apenas por nós habitado
Chama-me poetisa



Soares Teixeira – 11-06-2014
(© todos os direitos reservados)

terça-feira, 10 de junho de 2014

"A LÍNGUA PORTUGUESA" - Soares Teixeira








Quando as aves
alongando-se
em baixelas de leveza
íntimas do ar
espelhadas no mar
belas
vão
continuamente saindo
da retina da realidade
continuamente entrando
na pálpebra da saudade
livres
inteiramente descoberta
a respirar descoberta
vão
orvalho de espaço
a rolar nos espaços
intacta beleza
frontal
ao antes, agora e depois
ao sempre inicial
elas falam
e tu
Camões
descobriste
mostraste
mostras
e mostrarás
aí onde estás
aqui onde estamos
que essa Língua de além
é a Língua Portuguesa




Soares Teixeira – 10-06-2014
(© todos os direitos reservados)