sexta-feira, 9 de maio de 2014

"O RETRATO" - Soares Teixeira








A mulher observa o retrato
recorda aquele dia
de olhares de dedos febris
a soltarem pássaros com asas de sangue
de chão aberto debaixo de uma seara
prestes a separar-se
e depois aquela súbita haste de vento
que os procurou
à superfície da respiração com que permaneciam imóveis
olharam-se
palavras por nascer de arbustos inquietos
fatiga de folha outonal
entardecer pesado
um cão voltou a cabeça
como se fossem um caminho que o estivesse a chamar
beijaram-se
um beijo mais comprido do que a rua onde estavam
beijaram-se
como se estivessem a dar corda a um relógio
e a acertar-lhe os ponteiros
beijaram-se
com o idioma do amor
com a demostração carnal do prazer
beijaram-se
e foram caminho durante muitos setembros mais
ainda bem
a mulher observa o retrato
encosta-o ao peito
saudade
sempre saudade
até ao definitivo fim da lágrima




Soares Teixeira – 08-05-2014
(© todos os direitos reservados)

terça-feira, 29 de abril de 2014

"HINO AO SOL" - Soares Teixeira









Sol
visto a túnica do alvorecer
adorno a cabeça com chifres de vento
coloco ao peito o meu colar de tempo
enfeito os braços com as minhas pulseiras de além
e estendo os braços para receber cada palavra tua
Sol
olha-me através da minha transparência
observa a pedra suspensa e sobre ela a árvore
suspensa também
olha-me através da minha respiração
observa o caminho e sobre ele o touro
suspenso também
olha-me através da minha razão
observa o mar e sobre ele a ilha
suspensa também
abre-te música
e recebe-me nas tuas flautas
abre-te dança
e recebe-me no segredo vivo dos teus gestos
abre-te aliança
e recebe-me nas portas abertas pelos pássaros
Sol
a minha eternidade é ser este agora em ti
o meu horizonte é ser esta onda em ti
o meu destino é estar aqui por ti
Sol
belos os teus longes sem medida
belas as presenças e ausências que unificas
belo o silêncio com que santificas
Sol




Soares Teixeira – 28-04-2014
(© todos os direitos reservados)

sábado, 26 de abril de 2014

"O QUE EU HOJE VI" (na celebração dos 40 anos do 25 de Abril) - Soares Teixeira





Avenida da Liberdade, Lisboa
Nos 40 anos do 25 de Abril de 1974




O que eu hoje vi
no meu país cravo de luz
foi Abril de sorriso na palavra
o que eu hoje vi
no meu país de gesto em flor
foi a liberdade a brilhar num cântico solar
o que eu hoje vi
no meu país quase milenar
foi um pulso antigo numa página a começar




Soares Teixeira – 25-04-2014
(© todos os direitos reservados)
 








sábado, 19 de abril de 2014

"ENTREGA" - Soares Teixeira









Nudez incendiada e nada mais
ventos arqueados
identidade solar
gargantas de gemido musical
bocas a sorver vinho num chão de carne
dedos como serpentes a brilhar ao sol
coxas como grandes veleiros em flor
violinos nas veias
pássaros nos ossos
nomes sem nome e só entrega
instantes sem instante e só relâmpago
têmporas de fogo e gelo
volúpia na verdade da vontade
liberdade de horizonte sem orla
desejo a voar do desejo
de nos entregarmos aos vulcões



Soares Teixeira – 14-04-2014
(© todos os direitos reservados)

"ABRAÇA-ME" - Soares Teixeira









O meu convés é amplo
cabe nele o mundo inteiro
caminho lentamente
de mãos atrás das costas
com o som do mar
entre os nós dos dedos
o resto do meu corpo
são acácias adormecidas
e caminhos que se deixaram ficar
dentro de uma longínqua
canção do tempo
esta noite sou a síntese
da minha respiração
uma linha invisível
puxada pela clareza
com que me olhas
uma linha onde sou
pausa e espiga
da ausência que me protege
de tudo
o que possa ser musgo
nos meus ramos
apenas isso e mais nada
um a um
os meus pés invisíveis
sobem a escada
rente ao verso
um após outro
os meus passos
de silêncio que se atreve
entram no círculo de amor
onde oiço
a deslumbrada volúpia
dos teus gemidos de rosa
aberta ao beijo
abraça-me
tu ó cheia de encanto
abraça-me
lua



Soares Teixeira – 13-04-2014
(© todos os direitos reservados)

sexta-feira, 11 de abril de 2014

"PENSAR AZUL" - Soares Teixeira







Pensar azul
crescer do olhar
dobrar a esquina dos lábios
e com um sorriso no gesto
vestir de coragem a palavra
para pedir conselho aos rios
pedir ajuda aos pássaros
dizer às árvores: amo-vos
azul
fácil majestade dos espaços
leve linguagem dos caminhos
prémio entregue pelas estrelas
céu que guarda o sonho
afaga o verde
e conversa com o mar
azul
flor a nascer do tempo das aves
leve murmúrio da luz
boca que bebe orvalho
na folhagem de tudo
e da alma
que está para lá de tudo
azul
mistério     início
casca do que é puro
meu casulo
minhas asas
minha intimidade
meu poema
pintado a liberdade



Soares Teixeira – 10-04-2014
(© todos os direitos reservados)