A mulher observa o retrato
recorda aquele dia
de olhares de dedos febris
a soltarem pássaros com asas de sangue
de chão aberto debaixo de uma seara
prestes a separar-se
e depois aquela súbita haste de vento
que os procurou
à superfície da respiração com que permaneciam imóveis
olharam-se
palavras por nascer de arbustos inquietos
fatiga de folha outonal
entardecer pesado
um cão voltou a cabeça
como se fossem um caminho que o estivesse a chamar
beijaram-se
um beijo mais comprido do que a rua onde estavam
beijaram-se
como se estivessem a dar corda a um relógio
e a acertar-lhe os ponteiros
beijaram-se
com o idioma do amor
com a demostração carnal do prazer
beijaram-se
e foram caminho durante muitos setembros mais
ainda bem
a mulher observa o retrato
encosta-o ao peito
saudade
sempre saudade
até ao definitivo fim da lágrima
Soares Teixeira – 08-05-2014
(© todos os direitos reservados)