segunda-feira, 10 de março de 2014

"SIGO O CAMINHO DAS CIGARRAS" - Soares Teixeira













Sigo o caminho das cigarras
nada detém os pássaros
que voam dentro das minhas veias
nem os rios que correm
das minhas pálpebras
Não sou um sonho
mas também não sou real
vou poisando nos segundos
como um pardal
íntimo das abóbadas do riso
dos ombros da luz
e da noite que escuta o desconhecido
Quando não estou num galho de tempo
desenho céus marinhos
em paisagens que ganho à claridade
Sigo o caminho das cigarras
levo no peito
a volúpia da liberdade




Soares Teixeira – 09-03-2014
(© todos os direitos reservados)



"CAMÉLIAS" - Soares Teixeira








Camélias
elegância viva
a voar no poema
canção vegetal
em repouso no belo
cântaros de paz
de onde brotam
as sílabas do amor
arte
de bem vestir os dias



Soares Teixeira – 05-03-2014
(© todos os direitos reservados)



"NO CASTELO DE GUIMARÃES" - Soares Teixeira







No Castelo de Guimarães
são tantas perguntas em que me transformo
que me acrescento ao granito e nele cresço
e como uma concavidade no espaço e no tempo
na flor do silêncio recebo o olvido
                  ebriedade
Sou o lugar dos nomes míticos
na minha respiração sinto a nitidez
de camadas de alianças e traições
de arcas pejadas de segredos e sangue
de espadas cobertas de cruzes e vozes
Do meu gesto surgem cavalos cobertos de cores
música a bater asas
gritos de estátuas jacentes
coroas a copularem coroas
olhos brasonados a selar pactos com o horizonte
Os degraus e as paredes oferecem-me um ar
que me quer ver
as torres e as ameias passam as mãos pelas minhas
e puxam-me
as portas e as janelas bebem olhares antigos
e olham-me
e os seus olhos são os de um vento carnal
Então foi aqui
digo, enquanto caminho
na longa galeria de mim mesmo
Sim, foi aqui
responde-me uma voz vinda do chão
Aqui Afonso sonhou Portugal



Soares Teixeira – 05-03-2014
(© todos os direitos reservados)



"ÂMAGO" - Soares Teixeira








sou
no rio que me atravessa
a viagem que começa
o retorno sem pressa

              sei
íntima gota de orvalho
escuto a voz das rosas
e passo a mão pelo céu

estou
na brisa que se expande
na praia que se estende
no mistério que me entende



Soares Teixeira – 24-02-2014
(© todos os direitos reservados)







terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

"AQUELA VOZ" - Soares Teixeira









Aquela voz na raíz da paisagem
aquela voz que nos conheceu
antes de nascermos
chama-nos

Aquela voz que não ignora
as nossas asas
aquela voz
que é o nosso corpo
murmurado pelos espaços
que é o nosso espírito
a sair da boca aberta do tempo
chama-nos

Aquela voz
vinda de uma ilha na eternidade
aquela janela verde dos instantes
habitada pelo sangue solar
aquela voz viva que cavalga a palavra
e percorre os caminhos da unidade
aquela porta aberta pela vontade
do início e do além
chama-nos

Aquela voz é um barco
continuamente oferecido
navegar
é agradecer a dádiva




Soares Teixeira – 23-02-2014
(© todos os direitos reservados)

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

"POEMA PARA DU FU" - Soares Teixeira




Du Fu



É bela a música que escuto
e vejo sair de uma flauta de bambu
Bela como aves libertas
na origem das distâncias
aves que se abandonam às perguntas do céu
e voam com corpos quase rarefeitos
são gansos a deslizar na flor do azul
felizes como as nítidas palavras
em que se transformam
quando chegam aos meus lábios,
palavras só minhas
que digo só para o meu olhar
De onde vêm essas aves? Para onde vão?
que rios delas se despediram?
que rios as receberão?
Num silêncio convertido em horizonte
voam como fábulas, lendas e mitos
e nenhuma idade vive entre as suas penas
Eternas, navegam no meu olhar
e sinto-lhes o mesmo ágil sossego
que imagino ter sentido Du Fu
o sábio poeta chinês
eleito pelos caminhos
cantado pelas montanhas
Ei-lo a passear nas margens do Yangtzé
entregue a pensamentos que fazia seus
mas que sabia pertencerem às coisas pensadas
porque o poeta sabia que tudo partilha
a íntima concavidade do tempo
aí onde tudo é poesia
onde tudo é unidade
uma unidade por vezes convertida em murmúrios
que podem ser árvores, peixes, aves,
rio, margens de verde pendente
ou som de flauta
Nas margens do Yangtzé
Du Fu sentia-se barco solitário
tudo era um barco solitário a flutuar
no dia e na noite
E os gansos a voar com corpos quase rarefeitos
na música que me liberta
para ser origem das minhas distâncias



Soares Teixeira – 18-02-2014
(© todos os direitos reservados)

sábado, 8 de fevereiro de 2014

"TU SABES" - Soares Teixeira








Tu sabes
que as flores têm nomes eternos
e neles somos o permanente instante
de beijos de ventos sem idade
que escrevem amor com a mesma certeza
com que os pássaros escrevem liberdade
Tu sabes
que assim em lento relâmpago
renascemos de bocas que se abraçam
e em silêncio pronunciam
o nome de todas as nossas companheiras
Tu sabes
que assim em extensa planície primaveril
renascemos absolutos e eternos
como os nomes das nossas mágicas irmãs
por nós em beijos nomeadas
Tu sabes
o que é molhar o corpo
com a música de um segredo só nosso
o que é bater com os nós dos dedos do olhar
na porta de outro olhar
o que é ser página que dança com outra página
em pátios suspensos neste e no próximo horizonte
o que é ser a verdade viva
de uma intensa transparência carnal
Tu sabes
o que é sermos além fruto além longe
além vento além mar
além carícia de fogo branco além casca azul
Tu sabes
o que é iluminarmos o Sol



Soares Teixeira – 08-02-2014
(© todos os direitos reservados)