Du Fu
É bela a música que escuto
e vejo sair de uma flauta de bambu
Bela como aves libertas
na origem das distâncias
aves que se abandonam às perguntas do céu
e voam com corpos quase rarefeitos
são gansos a deslizar na flor do azul
felizes como as nítidas palavras
em que se transformam
quando chegam aos meus lábios,
palavras só minhas
que digo só para o meu olhar
De onde vêm essas aves? Para onde vão?
que rios delas se despediram?
que rios as receberão?
Num silêncio convertido em horizonte
voam como fábulas, lendas e mitos
e nenhuma idade vive entre as suas penas
Eternas, navegam no meu olhar
e sinto-lhes o mesmo ágil sossego
que imagino ter sentido Du Fu
o sábio poeta chinês
eleito pelos caminhos
cantado pelas montanhas
Ei-lo a passear nas margens do Yangtzé
entregue a pensamentos que fazia seus
mas que sabia pertencerem às coisas pensadas
porque o poeta sabia que tudo partilha
a íntima concavidade do tempo
aí onde tudo é poesia
onde tudo é unidade
uma unidade por vezes convertida em murmúrios
que podem ser árvores, peixes, aves,
rio, margens de verde pendente
ou som de flauta
Nas margens do Yangtzé
Du Fu sentia-se barco solitário
tudo era um barco solitário a flutuar
no dia e na noite
E os gansos a voar com corpos quase rarefeitos
na música que me liberta
para ser origem das minhas distâncias
Soares Teixeira – 18-02-2014
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