quinta-feira, 21 de novembro de 2013

"POEMA A QUATRO MÃOS" - Soares Teixeira




                                                         Fotografia de Mendes Domingos




Entre mim e o horizonte
há um poema a quatro mãos
e é azul o gesto que chama pelo gesto
e é azul o olhar que atravessa o instante
e há golfinhos e albatrozes
que acreditam que o mundo é sagrado
e há nuvens e ventos
que dançam a dança da secreta solenidade
e há promontórios no peito
que são veleiros a quatro mãos

Templos de claridade
colunas de espigas
pátios de princípio
paredes de eterno
abóbadas de flautas astrais
convoca-vos o meu peito de astrolábio
escutem-me
sou múltiplo na minha ânfora
e átomo perdido na vossa arquitectura
mas procuro   procuro   procuro

Procuro a viagem sempre futura
de um tempo que me respira
e sou o que estou e o que vou
num existir a quatro mãos
que se procuram   procuram   procuram
mesmo quando me encosto a um muro
mesmo quando me leva uma folha de outono
Por bagagem apenas transporto aquilo que sei
sei que estou aqui e no horizonte
sei que sou um rio a quatro mãos




Soares Teixeira – 21-11-2013
(© todos os direitos reservados)

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

"SAIBAM HIENAS" - Soares Teixeira







Saibam hienas que não me importo de viver na selva. Se é isso que querem, muito bem. Mas devo-vos avisar que não sou dócil. Se a minha sombra vos parecer um vago rosto de silêncio saibam que a sua cabeça em chamas se ergue sobre os martelos que a rodeiam. Meter as mãos nas algibeiras da palavra e gastar-me dentro dos meus segredos, como aquário a flutuar no vento? isso não é pão que me alimente. Saibam hienas que não sou mais um dos vossos dias, o que sou é mais uma curva do meu rio. Arco quebrado a respirar folhas mortas? As vossas mentiras não destroem a minha arquitetura; há catedrais no meu pescoço, pontes onde o meu gesto principia, estádios onde o meu sangue galopa. Existam nos olhos dos répteis que vos seguem como esquinas de trapos, existam no rastejar dos insetos que vivem para vos sorrir cegamente – em mim são crânios a rolar no deserto; é assim que vos vejo. Desculpem se tropeço na minha lucidez e caio para o lado oposto das vossas patas, é intencional, gosto de cair nas madrugadas e nas gotas de orvalho. É verdade que às vezes sou amável perante as facas que tentam disfarçar. Que hei-de fazer? É esta a minha forma de vos dar coices. Aos unicórnios exige-se uma certa elegância.





Soares Teixeira – 14-11-2013
(© todos os direitos reservados)

terça-feira, 12 de novembro de 2013

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

"EM NOITES DE LUA CHEIA" - Soares Teixeira







Em noites de Lua cheia
transformo o instante numa caixa
onde guardo o tempo
sento-me sobre esse fácil ilimite
molho bolachas de certeza
em leite de dúvida
e como-as muito devagar

assim…
alimentando o embrião
de um ser por acontecer
recomeço-me cá dentro
e no meu corpo cresce um universo
e no meu sangue abrem-se pupilas
e nas minhas veias vibram pétalas e asas

leve…
entrego-me àquele que estou a gerar
filho e pai
da palavra e da unidade
do princípio e do fim
depois renasço-me
alfa e ómega de mim



Soares Teixeira – 08-11-2013 – 12h:56m
(© todos os direitos reservados)

sábado, 2 de novembro de 2013

"DENTRO DE CADA UM DE NÓS" - Soares Teixeira








Dentro de cada um de nós há uma Lua que nos observa com olhar de antiquíssima fêmea fascinada com os nossos instantes. Ouvem-na respirar dentro do vosso peito? ela está lá, escondida e atenta - às vezes brilha, cresce, agiganta-se. Que nome lhe havemos de dar? razão... ideia… palavra... não sei. Talvez mergulhando dentro destes nossos lábios possamos ir ao seu encontro - olhá-la olhos nos olhos     sentir-lhe o cheiro      escutar o som dos seus passos      tocar-lhe no corpo      beber do seu leite. Depois podemos construir um barco de papel nele colocar a candeia transparente que não sabíamos ter na mão e ir pelo nosso primordial mar interior - ir, ir, ir – viver as mais improváveis navegações, sem nos querermos embriagar na descoberta de nós mesmos mas pressentindo que isso pode acontecer; olha! a infinita flor que nasce no corpo da sílaba, olha! a respiração das distâncias intactas dentro de novos pássaros, olha! a página a renascer do reino das veias, e ali olha! aquela resina de palavra antiga, ah! e além? vês? aquele vibrar de pálpebras… parecem revelar ancestrais pupilas nos andaimes do tempo, parecem as triunfais rosas leves que levam a beleza aos sonhos, aqueles sonhos de gente como nós, gente que se calhar éramos e seremos nós, gente de aquém e além agora. Agora… que é isso? Que significado tem? Neste percurso que iniciámos ao mergulhar dentro dos lábios, o que representa o agora? Agora fazemos nossa a carne dos espaços onde há e não há matéria, agora fazemos nosso o sangue que o tempo derrama no silêncio, agora fazemos nosso o prazer de consentir que as manhãs dos amanhãs acontecidos e por acontecer nos espreitem, agora confundimo-nos com a orla de todas as imanências e de todos os improváveis, agora somos a unidade e por isso somos também aquela Lua que nos observa com o seu olhar de antiquíssima fêmea fascinada com os nossos instantes. Sejam vocês mesmos - diz-nos ela – sejam vocês mesmos continuamente entornados como trigo a cair da ânfora que seguro nos braços. E então um novo pássaro descobre um atalho e todo o nosso corpo - mesmo o não adivinhado - e toda a nossa alma – mesmo a não adivinhada – sai dos nossos lábios num novo retorno, um retorno em palavra, palavra aberta; aberta como a flor do Hibisco.





Soares Teixeira – 02-11-2013
(© todos os direitos reservados)

terça-feira, 29 de outubro de 2013

"DÁ-NOS..." - Soares Teixeira








Dá-nos horizonte o aroma da abelha que em ti é sílaba de matutino feitiço, dá-nos distância a cor da romã que nos promete a palavra a brilhar na água dos instantes, dá-nos árvore o verbo - e que o verbo seja querer e que as tuas raízes estejam no nosso peito e que delas irrompa o mais marinheiro de todos os gritos. Dá-nos leveza do ar a margem onde vai beber o jovem tigre que nos corre nas veias, dá-nos dor de sermos trigo na tempestade o pão de música com que alimentamos a espera, dá-nos chuva o corpo que procuras – e que esse corpo seja aquele que também nós procuramos dentro de cada uma das nossas veias e na polpa de cada desejo; sim ele está lá. Dá-nos pomba inicial a espada viva dos nossos pulsos, dá-nos insondável fronteira a pedra para colocarmos o cálice que o sol no entregou, dá-nos porta de nós mesmos a vertigem de sermos nome no celeiro da liberdade; sim nós somos nome.




Soares Teixeira – 28-10-2013
(© todos os direitos reservados)

 

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

"LIFETIME PARTNER" - Johnson Tsang






Artist: Johnson Tsang.

Lifetime Partner-Porcelain cup and saucer.H:17cm.2009
Finalist, The 12th Carouge International Ceramics Competition 2009, Switzerland.