quinta-feira, 3 de outubro de 2013

"ACONTECEU" - Soares Teixeira








Habituámo-nos à planície do nosso olhar
e assim caminhámos
paralelos à luz de onde íamos amanhecendo
até que um dia os pássaros beberam
todos os nossos instantes
e as nossas horas caíram tão subitamente
que até o passado nos surgiu como uma taça feita de erro

Agora somos papel de parede descolado
ambos o sabemos
mas nenhum de nós tem coragem de deixar as paredes nuas
e depois
como iríamos viver a nossa separação?



Soares Teixeira – 03-10-2013
(© todos os direitos reservados)

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

"NO CONVÉS DA SOLIDÃO" - Soares Teixeira








Magoa
esta distância
com olhos de mar
este crescer de ondas
de altas proas
estas facas de vento
a cortar o rosto

Mas pior é o Homem
Que dizer desse oceano
sempre atormentado
que em si esconde
os ácidos infernos
da inveja e da traição?
Mágoa!



Soares Teixeira – 02-10-2013
(© todos os direitos reservados)

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

"PORTUGAL" - Soares Teixeira








Silenciei o gesto com que me assombrei
Diante de mim o mar
como se fosse eu próprio aquela imensidão

Sentei-me numa rocha
e os meu cabelos partiram com o olhar
com eles foram as minhas mãos os meus braços
os meus pés as minhas pernas
os meus ombros e o meu peito
por fim foi a cabeça
ficou a boca      
sílaba a sílaba a percorrer futuro



Soares Teixeira – 30-09-2013
(© todos os direitos reservados)

sábado, 28 de setembro de 2013

"SABES ROSA..." - Soares Teixeira








Sabes rosa…
na tua presença
sinto-me um amanhã que fui
e um passado por acontecer

Estou nas ancas das sereias
nas ogivas de catedrais sem nome
nas crinas de um potro lunar
nos saltos de uma rã sideral
estou também na taça que não ergo
a esta manhã encharcada de luz
e na colmeia de onde não retiro
o mel deste meu instante

És tu rosa
plena e serena
que ao me observares me fazes sentir
este vinho a brotar da pedra imaginária
És tu rosa
meiga e mística
que celebras a flor que em mim despertas
E eu, rosa
fico a roda imóvel em que me transformas



Soares Teixeira – 28-09-2013
(© todos os direitos reservados)

terça-feira, 24 de setembro de 2013

"E TODOS ARQUEÁMOS OS NOSSOS CAULES" (a António Ramos Rosa) - Soares Teixeira







E todos arqueámos os nossos caules
quando soubemos que o poeta tinha morrido
e em silêncio os ventos e os búzios
solidários e tristes
encostaram as cabeças ao nosso abandono
foi então que o pássaro da palavra
sobrevoou a pausa em que ficámos
e todas as nossas pétalas de girassóis do além
se ergueram na direcção do astro
do nosso contentamento
porque na sua luz se podia ler:
“Estou vivo e escrevo sol”


Soares Teixeira – 24-09-2013
(© todos os direitos reservados)

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

"OLHA ÁRVORE!" - Soares Teixeira








Olha árvore!
a lua está de novo cheia
Esta é a nossa noite
é noite de irmos beber água das fontes
de corrermos de ramos abraçados
e de nos amarmos
como sílabas da mesma palavra
e que seja amor essa palavra
e que seja urgência esse amor
Abraça-me!
é tanto o que temos para conversar
é tanto o que de mim possuis
é tanto o que de ti eu sou
Esta é a noite
em que somos perfeitos
no aconchego do plenilúnio
Esta é a noite
em que nos olhamos
à claridade do frondoso silêncio
onde nos alongamos em sonho
Oh meu amor!
quero-te tanto
sem ti o luar estaria vazio de pássaros
e a minha alma sem orvalho nem alegria
Vamos árvore!
vamos celebrar a noite
como dois peixes
livres
a deslizar na respiração das promessas



Soares Teixeira – 18-09-2013
(© todos os direitos reservados)