domingo, 3 de fevereiro de 2013

NÃO POSSO ADIAR O AMOR PARA OUTRO SÉCULO, Eugénio de Andrade - Soares Teixeira

EUGÉNIO DE ANDRADE
NÃO POSSO ADIAR O AMOR PARA OUTRO SÉCULO



sábado, 2 de fevereiro de 2013

"ELES" - Soares Teixeira




Eles sorriem
mas a cidade do cinismo nasce-lhes das têmporas
Os seus lábios pronunciam palavras matinais
mas a mentira dilata-lhes as veias

Eles prometem
mas as suas promessas são lâminas
prontas para rasgar as pálpebras do pensamento
Os dedos estendem-se em gestos límpidos
mas debaixo das unhas
ondulam meticulosas farpas e muros de cimento

Eles cantam
mas o horizonte que esquartejam sai-lhes pelas narinas
Os seus gestos celebram a boda com os instantes
mas a sua silhueta festeja a falsidade

Eles mostram-se civilizados imprescindíveis e impolutos
com o dever de estar ausentes de tudo o que não seja
o chão do seu mundo novo
Mas sobre o chão profanado dos dias alheios
eles são hienas de lume que dançam
sobre florestas dizimadas

Eles dizem-se a salvação
mas são a infecção
que quer ser cura com seringa de medo

Eles estão aí
insinuantes e sórdidos
à espera da chave com que nos abrimos ao sol



Soares Teixeira
(© todos os direitos reservados)




quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

"A MESA POSTA" - Soares Teixeira




A mesa posta
com o horizonte por toalha
estás sentada num promontório
eu também
comemos com talheres de saudade
os beijos que recordamos

Os pássaros atravessam
os nossos corpos transparentes
e os ventos acreditam
que somos secretos

As palavras que dizemos
são azuis
nítidas
e iniciais
como o mar

O nosso olhar encontra-se
na abóbada do desejo


Soares Teixeira
(©todos os direitos reservados)

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

"DEIXO-TE AS PÁLPEBRAS SOBRE A TESTA" - Soares Teixeira




Deixo-te as pálpebras sobre a testa
e levo comigo
metade do beijo que te dei
Estou certo que o novo dia saberá
que sou uma porção de lábios
de passagem pelo efémero
e que o que de mim resta
repousa na eternidade do teu rosto

O mundo cheira a poema
as esquinas são leves
e os caminhos aprendem
o ritmo dos meus passos
Os instantes que vão chegando voam
em torno do meu olhar apaixonado
e partem para os céus
dizendo o meu nome aos pássaros

É possível que algumas pessoas
se voltem para trás
para ver uma árvore caminhar
não me importo
A minha boca ainda está
no chão matinal do teu corpo
por isso sinto como natural
este meu andar de plátano encantado


Soares Teixeira – 23-01-2013
(© todos os direitos reservados)

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

"OLHÁMO-NOS E DEIXÁMOS DE FUJIR" - Soares Teixeira



Olhámo-nos e deixámos de fugir
nas nossas pupilas descobrimos erva fresca
a cumprir promessa
aos nossos sentidos chegaram conchas
que julgávamos não existir
Tranquilamente saímos pelas janelas
dos nossos lábios
e reunimo-nos num abraço
que encheu o copo do instante
Roubámos o cobre ao sol
o mármore aos deuses
e as alfaias aos camponeses
para tudo em nós
ser início solenidade e sangue novo
e naquele fim de tarde
oferecemo-nos
a todas as romãs
a todas as cortinas levantadas
a todas as flautas lunares
a todas as bandejas de sonho
a todos os lagos e palmares
aos ventos de todos os lugares



Soares Teixeira – 15-01-2013
(©todos os direitos reservados)

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

"A TAÇA" - Soares Teixeira

Taça de Nestor, Museu Arqueológico de Atenas




Todos os amanhãs nascem hoje
a herança dos instantes
está na espuma de outras praias
Partir
do centro do peito
do cais do espanto
do terraço da pupila
Partir
nem que seja
rumo à miragem
que atravessa o olhar
Partir
provar o sabor do vento
aspirar o perfume do instante
sentir o horizonte nos pulsos
Partir
ser seiva
ser fruto
ser madrugada
Partir
apenas com uma taça na mão
para brindar à Terra
que é sagrada
Partir
apenas com uma taça na mão
para beber palavras
sempre que os lábios estiverem secos
de sonho e ilusão



Soares Teixeira
(©todos os direitos reservados)



domingo, 23 de setembro de 2012

Elsa Rodrigues dos Santos



Elsa Rodrigues dos Santos deixou-nos. Mudos e petrificados ainda estamos no aconchego do seu sorriso, ainda caminhamos dentro do seu olhar, ainda nos erguemos ao escutar o timbre da sua voz. Deixou-nos a grande matriarca, a incansável líder, a imensa coluna, a amiga, a sábia. E agora? agora somos pedaços de abóbada a cair. Olhamos em volta, estendemos as mãos e ela já não existe para nos receber e nos amparar. E agora? agora ficámos aquém de nós mesmos, a palpitar nervosamente no desalento. E agora, as nossas asas?
Adeus minha querida Amiga. Fizeste-nos felizes. Agora está frio.
Adeus.


Soares Teixeira