quinta-feira, 3 de novembro de 2011

"VESTI-TE COM UMA GOTA DE ORVALHO" - Soares Teixeira


Vesti-te com uma gota de orvalho
peguei-te na mão
e dançámos descalços
sobre a areia de uma praia
que um beijo fez só nossa
os primeiros olhares da aurora
tocaram-nos
num ângulo cúmplice
lançavas a cabeça para trás
e rias
o mar também
levando com ele
tudo o que não fosse
o luar
de que ainda éramos feitos


Soares Teixeira

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

"À BEIRA MAR" - Soares Teixeira


Aqui
perante este horizonte onde me alongo
dentro desta distância que acontece em mim
sou um crente aos pés do sonho
sou uma pálpebra sem fim
sou o absoluto

no céu o azul recebe o vermelho
nas asas das gaivotas nadam peixes
é de espuma a sabedoria do mar
a praia faz companhia aos barcos
o sol aninha-se nas águas
respiro a anunciação de que é feito o ar
bebo êxtase
não quero outro paraíso

aqui
neste agora tão leve
recebo o primeiro começo de uma divindade
sou um grão de areia com uma alavanca no peito
sou um átomo com o infinito no pensamento

aqui
ao abrigo deste momento
sou uma nuvem onde me deito
começo onde estou e acabo na eternidade
não quero outro paraíso


Soares Teixeira

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

"REGRESSO" - Soares Teixeira


Um violoncelo desliza
pelo vasto corredor de uma casa antiga vazia
à sua passagem as salas suspiram de saudade
e a entranhada mágoa das paredes espreita
por cima das molduras dos retratos
de gente que já foi claridade
Um vento fresco de manhã inaugural
sopra súbito sobre aquele grande livro fechado
e uma janela abre-se
e mil pássaros de luz serpenteiam
pelos corredores pelas escadas e pelas salas
da grande casa tombada no musgo do tempo
uma jovem de tranças louras
solta gargalhadas cristalinas
e uma alegria exilada saúda os retratos
Como um fiel namorado
o violoncelo desliza
para os braços da adolescente
e Bach irrompe como uma primavera
Lá fora o velho carvalho reúne os pássaros
e juntos observam o portão do jardim
que depois de tantos anos fechado
se abre agora
em movimento lento quase ilusório

Ela voltou dizem as aves
Está igual diz a árvore fiel
Tantos anos diz comovida a anciã


Soares Teixeira

terça-feira, 11 de outubro de 2011

"INFÂNCIA" - Soares Teixeira


A folha flutua no lago
um insecto é um marinheiro na folha
um raio de sol traça o rumo
uma criança observa
o seu olhar é tão fugaz
como o de um pássaro
despreocupadamente azul


Soares Teixeira

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

"HÁ ÁRVORES NASCIDAS DO LUAR" - Soares Teixeira


Há árvores nascidas do luar
há regatos em êxtase a cantar
há delírios com cheiro a mar
E existe o teu olhar
por onde se ascende ao infinito
e existe o teu gesto
que se confunde com o ardor do Sol
E existe o teu corpo
que é o eco de um grito
E existem estas veias
contentes, intensas e embaladas
E existe este corpo
rápido como um remo
que encurta as águas do instante
para que haja um só impulso
a florir do prazer
de sermos um só astro



Soares Teixeira

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

"VOANDO SOBRE OS AREAIS DA HISTÓRIA" - Soares Teixeira


Voando sobre os areais da História
um pássaro observa como se repetem
os sorrisos fáceis e as promessas em flor
os mesmos incautos - perdidamente confiantes
os mesmos inocentes, os mesmos chacais
tudo igual, tudo água da mesma fonte
e no seu peito invadido de horizonte
o pássaro já não guarda esperança
sente-se feliz por não ser abutre
e muito menos Homem



Soares Teixeira

terça-feira, 2 de agosto de 2011

"O POETA E OS RATOS" - Soares Teixeira


Três ratos de olhar brilhante
como um estilete de aço
conspiram contra o poeta

Sete lágrimas afiadas
sete mares em cada braço
sete árvores plantadas
em sete palavras de aço
eis o poeta

De horizonte na lapela
com o amanhecer nos passos
com um sorriso a fazer de vela
e um toque de ironia
o poeta caminha
por trilhos de fantasia
espalhando verdades
que só outro poeta adivinha
e assim vai caminhando
por entre laranjais, mistérios
sonhos e adversidades
assim vai
seguido pelos ratos
que em três abraços
celebram a gorda maquinação

Assim é o mundo
assim gira e há-de girar
uma bola suspensa no ar
onde sempre haverá
um poeta a cantar
e três ratos a conspirar



Soares Teixeira