domingo, 11 de março de 2012

"É UM PRAZER" - Soares Teixeira



É um prazer olhar para a mansão barroca
que algumas pessoas constroem
com a sua retórica e gestos estudados
convencidas que cada instante seu
é para os outros um copo de champanhe
Dá gosto ver os vitrais das suas pupilas
mais do que bonitos mais do que serenos
mais do que confiantes mais do que falsos
Dá gosto ver o espectáculo do seu rosto
mais do que na moda mais do que actualizado
com todas as conveniências e conivências
Dá gosto
dá tanto gosto que apetece retribuir
com uma pastelaria no olhar
e um sorriso de sarcasmo que esmurre
o palácio que pretendem exibir nos maxilares



Soares Teixeira

sábado, 10 de março de 2012

"FOI DURANTE UMA TERTÚLIA DE GRILOS" - Soares Teixeira



Foi durante uma tertúlia de grilos
que fizemos parar o ponteiro do relógio
e escutámos o aplauso de palavras
chamadas ao pensamento
pelo prolongado soar do tambor do desejo
Entre ervas e arbustos
os grilos agarravam-se aos seus sons
trepando às montanhas de si mesmos
e fazendo com que tudo à sua volta
ficasse parado suspenso
num casulo que era a véspera daquele dia
Então deixámos cair as palavras
primeiro como breves pingos de água
depois como chuva
chuva intensa de céu que é dádiva
e foi encharcados de humanidade
que subimos ao cesto da gávea
da hora que nos esperava
e consumámos a natureza
dando razão às forças que criaram o mundo
Em silêncio os grilos escutaram
os sons do amor


Soares Teixeira

quinta-feira, 8 de março de 2012

"UMA GAIVOTA SATISFAZ AS ASAS NO AZUL" - Soares Teixeira



Uma gaivota satisfaz as asas no azul
em silêncio
era o pássaro que faltava
o pássaro que saiu do cavalete do instante
para que naquele suave estremecimento
de manhã que se anuncia
a memória subisse pelas raízes
da grande e velha árvore
onde um dia brilhou
um alvoroço de juventude
era o pássaro que faltava
e trazia no bico
aquele telheiro de folhas
que foi a casa do nosso primeiro beijo


Soares Teixeira

quarta-feira, 7 de março de 2012

"O DESEJO NAVEGA NO SANGUE" - Soares Teixeira



O desejo navega no sangue
o prazer tem um pescoço longo
que sorve a catarata do instante
as mãos alongam-se como poentes
e afagam o feno da pele
que é macio e cheira a nuvem
os músculos são os lábios da carne
a boca beija o gemido
contraem-se as nádegas do touro
e a estrela recebe o lírio de bronze
tudo está em harmonia com o trigo que cresce
tudo é ânimo de astro tudo é trepadeira de luz
tudo é próximo e distante tudo é solene e sagrado
tudo é infinito no convés do lugar
não há casas não há muros não há caminhos
há apenas um tudo de rosto voltado
para uma praia que são braços
e uma trombeta de som arqueado
que penetra nas nervuras do horizonte
e morde o fogo com um riso quase humano


Soares Teixeira

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Carnaval de Veneza 2012





Regressei ao Carnaval de Veneza. Único, intenso, indescritível. Viver este Carnaval - devidamente vestido - é uma experiência inesquecível. E viver o Carnaval de Veneza é ir aos concertos, às festas, aos museus, às igrejas, aos palácios, e este ano. Este ano participei na Vogata del Silenzio, um fabuloso desfile nocturno de gôndolas de Rialto a São Marcos.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

"AMOR" - Soares Teixeira



Um golfinho lunar
regressa à casa dos astros
rápido e certeiro
como se de há muito conhecesse
todos os caminhos do universo
no seu olhar há uma juventude
que esconde o tempo inteiro
e no seu dorso vamos nós
de pupilas embriagadas pelo ser
que na nascente de cada um
dança nos píncaros
de uma montanha sagrada
Estarmos de cabeça erguida
é pertencermos à solenidade
de um antiquíssimo encontro
é sermos inteiramente
o chão do nosso caminho
é sabermos comer frutos amargos
sabendo que também eles são parte
da viagem
Estarmos unidos
é recebermos o trigo que nos pertence
e com o mesmo gesto oferecê-lo
aos deuses que nos deram
a humanidade
e o amor


Soares Teixeira

domingo, 5 de fevereiro de 2012

"SÓ NÓS PRÓPRIOS" - Soares Teixeira




Só nós próprios nos podemos reconstruir
ninguém é interior aos nosso medos
ninguém respira a nudez da nossa solidão
ninguém conhece os muros do nosso labirinto
Só nós próprios gesto a gesto palavra a palavra
podemos ser oferenda aos nossos abismos
e atravessar o impossível para nos reunirmos
à esperança dos céus matinais
Só nós próprios podemos pintar de branco
a casa do nosso combate
e plantar a claridade no jardim do amanhã
só nós impiedosamente nós próprios


Soares Teixeira