Com Pilar del Rio (mulher de José Saramago) numa das minhas inúmeras participações/encontros culturais - que continuam e continuarão!
Com Pilar del Rio (mulher de José Saramago) numa das minhas inúmeras participações/encontros culturais - que continuam e continuarão!
De novo
o murmúrio do sol
lento
a quase queimar
o corpo da recordação
Ah…, pudesse
uma indiferença
de mar
arrefecer o que sobrou
dos teus lábios
Foste também
equação que naufragou
na falta de solução.
Será que em ti existem
estes mastros quebrados?
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Soares Teixeira - 19-07-2022
(© todos os direitos reservados)
Vistam-me verões
Calcem-me canções
Pintem-me primaveras
E eu
Visitarei os ventos
Inundarei os infinitos
Florirei nos futuros
O circo está cheio!
Estão prontos?
Vamos! Todos!
Toquem os tambores
Tragam trampolins
Saltemos! Saltemos!
Nós, os sonhadores!
Vejam!
Criamos cores!
Voa-nos a voz!
Abraçam-nos os astros!
Vejam!
Espalhamos magia!
Semeamos eternidade
na nudez
da liberdade!
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Soares Teixeira - 18-07-2022
(© todos os direitos reservados)
GRILO
Sou o último grilo do meu bosque
mas também o primeiro
Portas feitas de pensamentos noctívagos,
abrem-se para deixar passar
aquele que vem e aquele que vai
e os dois sou eu
e os dois olham-se num verso
e esse verso também sou eu
Onde estarão as sombras desses que se cruzam?
Algures por trás das palavras,
como pequenas aranhas adormecidas
no centro das suas teias?
No rosto enigmático
de antigas estátuas de bronze?
Todos os lugares, mesmo os não lugares,
são a superfície onde desenho
com o meu olhar de compasso
o círculo
onde começa a minha despedida,
onde o meu peso vai deixando de existir
Não me explico
Sou o último grilo do meu bosque
mas também o primeiro
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Soares Teixeira - 17-07-2022
(© todos os direitos reservados)
O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia,
O Tejo tem grandes navios
E navega nele ainda,
Para aqueles que vêem em tudo o que lá não está,
A memória das naus.
O Tejo desce de Espanha
E o Tejo entra no mar em Portugal.
Toda a gente sabe isso.
Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia
E para onde ele vai
E donde ele vem.
E por isso, porque pertence a menos gente,
É mais livre e maior o rio da minha aldeia.
Pelo Tejo vai-se para o Mundo.
Para além do Tejo há a América
E a fortuna daqueles que a encontram.
Ninguém nunca pensou no que há para além
Do rio da minha aldeia.
O rio da minha aldeia não faz pensar em nada
Quem está ao pé dele está só ao pé dele.
Alberto Caeiro
(heterónimo de Fernando Pessoa)
Há dias que eu odeio
Como insultos a que não posso responder
Sem o perigo duma cruel intimidade
Com a mão que lança o pus
Que trabalha ao serviço da infecção
São dias que nunca deviam ter saído
Do mau tempo fixo
Que nos desafia da parede
Dias que nos insultam que nos lançam
As pedras do medo os vidros da mentira
As pequenas moedas da humilhação
Dias ou janelas sobre o charco
Que se espelha no céu
Dias do dia-a-dia
Comboios que trazem o sono a resmungar para o trabalho
O sono centenário
Mal vestido mal alimentado
Para o trabalho
A martelada na cabeça
A pequena morte maliciosa
Que na espiral das sirenes
Se esconde e assobia
Dias que passei no esgoto dos sonhos
Onde o sórdido dá as mãos ao sublime
Onde vi o necessário onde aprendi
Que só entre os homens e por eles
Vale a pena sonhar.
Alexandre O'Neill
https://alexandreoneill.bnportugal.gov.pt/o-tempo-sujo/
Havia nelas
alguma coisa de excessivamente engomado
que sugeria
a vida espreitada das pequenas cidades.
Havia nelas
O cansaço de comboios nocturnos
de malas e cestos longamente arrastados.
Havia nelas
a desenvoltura nos trâmites de hospital
nas vias indirectas da repartição pública
com que o turista
suplanta no museu os naturais.
Havia nelas
um gesto de sacudir da saia
migalhas dum farnel imaginário
de cobrir os joelhos com casacos de malha.
Havia nelas
uma sombra de buço
um olhar oblíquo
um esgar descaído de censura.
Havia nelas
tantas pequenas virtudes
tantas pequenas certezas
que a vida se foi delas agastada
a oferecer a outras
seus tesouros.
as dúvidas as dores os frutos e os risos.
Rosa Lobato de Faria, in “Poemas Escolhidos e Dispersos”