sábado, 23 de julho de 2022

CULTURA SEMPRE


 

Soares Teixeira e Pilar del Rio

 

Com Pilar del Rio (mulher de José Saramago) numa das minhas inúmeras participações/encontros culturais - que continuam e continuarão!



terça-feira, 19 de julho de 2022

"SERÁ?" - SOARES TEIXEIRA


De novo

o murmúrio do sol

lento

a quase queimar

o corpo da recordação

 

Ah…, pudesse

uma indiferença

de mar

arrefecer o que sobrou

dos teus lábios

 

Foste também

equação que naufragou

na falta de solução.

Será que em ti existem

estes mastros quebrados?

 


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Soares Teixeira - 19-07-2022

(© todos os direitos reservados)

 

segunda-feira, 18 de julho de 2022

"CIRCO" - CIRCO

 

Vistam-me verões

Calcem-me canções

Pintem-me primaveras

E eu

Visitarei os ventos

Inundarei os infinitos

Florirei nos futuros

 

O circo está cheio!

Estão prontos?

Vamos! Todos!

Toquem os tambores

Tragam trampolins

Saltemos! Saltemos!

Nós, os sonhadores!

 

Vejam!

Criamos cores!

Voa-nos a voz!

Abraçam-nos os astros!

Vejam!

Espalhamos magia!

Semeamos eternidade

         na nudez

                      da liberdade!

 

 

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Soares Teixeira - 18-07-2022

(© todos os direitos reservados)

 

 

 

domingo, 17 de julho de 2022

"GRILO" - SOARES TEIXEIRA

 

GRILO

 


Sou o último grilo do meu bosque

mas também o primeiro

 

Portas feitas de pensamentos noctívagos,

abrem-se para deixar passar

aquele que vem e aquele que vai

e os dois sou eu

e os dois olham-se num verso

e esse verso também sou eu

 

Onde estarão as sombras desses que se cruzam?

Algures por trás das palavras,

como pequenas aranhas adormecidas

no centro das suas teias?

No rosto enigmático

de antigas estátuas de bronze?

 

Todos os lugares, mesmo os não lugares,

são a superfície onde desenho

com o meu olhar de compasso

o círculo

onde começa a minha despedida,

onde o meu peso vai deixando de existir

 

Não me explico

 

Sou o último grilo do meu bosque

mas também o primeiro

 

 

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Soares Teixeira - 17-07-2022

(© todos os direitos reservados)

 

 

 

quinta-feira, 14 de julho de 2022

O TEJO É MAIS BELO QUE O RIO DA MINHA ALDEIA", ALBERTO CAEIRO




 XX

 

O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,

Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia

Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia,

 

O Tejo tem grandes navios

E navega nele ainda,

Para aqueles que vêem em tudo o que lá não está,

A memória das naus.

 

O Tejo desce de Espanha

E o Tejo entra no mar em Portugal.

Toda a gente sabe isso.

Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia

E para onde ele vai

E donde ele vem.

E por isso, porque pertence a menos gente,

É mais livre e maior o rio da minha aldeia.

 

Pelo Tejo vai-se para o Mundo.

Para além do Tejo há a América

E a fortuna daqueles que a encontram.

Ninguém nunca pensou no que há para além

Do rio da minha aldeia.

 

O rio da minha aldeia não faz pensar em nada

Quem está ao pé dele está só ao pé dele.

 

Alberto Caeiro

(heterónimo de Fernando Pessoa)

domingo, 3 de julho de 2022

"O TEMPO SUJO", ALEXANDRE O'NEILL

 


O Tempo Sujo

Há dias que eu odeio
Como insultos a que não posso responder
Sem o perigo duma cruel intimidade
Com a mão que lança o pus
Que trabalha ao serviço da infecção

São dias que nunca deviam ter saído
Do mau tempo fixo
Que nos desafia da parede
Dias que nos insultam que nos lançam
As pedras do medo os vidros da mentira
As pequenas moedas da humilhação

Dias ou janelas sobre o charco
Que se espelha no céu
Dias do dia-a-dia
Comboios que trazem o sono a resmungar para o trabalho
O sono centenário
Mal vestido mal alimentado
Para o trabalho
A martelada na cabeça
A pequena morte maliciosa
Que na espiral das sirenes
Se esconde e assobia

Dias que passei no esgoto dos sonhos
Onde o sórdido dá as mãos ao sublime
Onde vi o necessário onde aprendi
Que só entre os homens e por eles
Vale a pena sonhar.

 

 Alexandre O'Neill 

 

 https://alexandreoneill.bnportugal.gov.pt/o-tempo-sujo/

 

 

terça-feira, 14 de junho de 2022

"HAVIA NELAS", ROSA LOBATO DE FARIA

 


 

Havia nelas

alguma coisa de excessivamente engomado

que sugeria

a vida espreitada das pequenas cidades.

 

Havia nelas

O cansaço de comboios nocturnos

de malas e cestos longamente arrastados.

 

Havia nelas

a desenvoltura nos trâmites de hospital

nas vias indirectas da repartição pública

com que o turista

suplanta no museu os naturais.

 

Havia nelas

um gesto de sacudir da saia

migalhas dum farnel imaginário

de cobrir os joelhos com casacos de malha.

 

Havia nelas

uma sombra de buço

um olhar oblíquo

um esgar descaído de censura.

 

Havia nelas

tantas pequenas virtudes

tantas pequenas certezas

que a vida se foi delas agastada

a oferecer a outras

seus tesouros.

 

as dúvidas as dores os frutos e os risos.

 

 

Rosa Lobato de Faria, in “Poemas Escolhidos e Dispersos”