sábado, 17 de dezembro de 2016

"FADO FALADO" - João Villaret



 


João Villaret a interpretar o "Fado Falado"


.Letra e música: Aníbal Nazaré; Nelson de Barros



Fado Triste
Fado negro das vielas
Onde a noite quando passa
Leva mais tempo a passar
Ouve-se a voz
Voz inspirada de uma raça
Que mundo em fora nos levou
Pelo azul do mar
Se o fado se canta e chora
Também se pode falar

Mãos doloridas na guitarra
que desgarra dor bizarra
Mãos insofridas, mãos plangentes
Mãos frementes e impacientes
Mãos desoladas e sombrias
Desgraçadas, doentias
Quando à traição, ciume e morte
E um coração a bater forte

Uma história bem singela
Bairro antigo, uma viela
Um marinheiro gingão
E a Emília cigarreira
Que ainda tinha mais virtude
Que a própria Rosa Maria
Em dia de procissão
Da Senhora da Saúde

Os beijos que ele lhe dava
Trazia-os ele de longe
Trazia-os ele do mar
Eram bravios e salgados
E ao regressar à tardinha
O mulherio tagarela
De todo o bairro de Alfama
Cochichava em segredinho
Que os sapatos dele e dela
Dormiam muito juntinhos
Debaixo da mesma cama

Pela janela da Emília
Entrava a lua
E a guitarra
À esquina de uma rua gemia,
Dolente a soluçar.
E lá em casa:

Mãos amorosas na guitarra
Que desgarra dor bizarra
Mãos frementes de desejo
Impacientes como um beijo
Mãos de fado, de pecado
A guitarra a afagar
Como um corpo de mulher
Para o despir e para o beijar

Mas um dia,
Mas um dia santo Deus, ele não veio
Ela espera olhando a lua, meu Deus
Que sofrer aquele
O luar bate nas casas
O luar bate na rua
Mas não marca a sombra dele
Procurou como doida
E ao voltar da esquina
Viu ele acompanhado
Com outra ao lado, de braço dado
Gingão, feliz, levião
Um ar fadista e bizarro
Um cravo atrás da orelha
E preso à boca vermelha
O que resta de um cigarro
Lume e cinza na viela,
Ela vê, que homem aquele
O lume no peito dela
A cinza no olhar dele

E o ciume chegou como lume
Queimou, o seu peito a sangrar
Foi como vento que veio
Labareda atear, a fogueira aumentar
Foi a visão infernal
A imagem do mal que no bairro surgiu
Foi o amor que jurou
Que jurou e mentiu
Correm vertigens num grito
Direito ou maldito que há-de perder
Puxa a navalha, canalha
Não há quem te valha
Tu tens de morrer
Há alarido na viela
Que mulher aquela
Que paixão a sua
E cai um corpo sangrando
Nas pedras da rua

Mãos carinhosas, generosas
Que não conhecem o rancor
Mãos que o fado compreendem
e entendem sua dor
Mãos que não mentem
Quando sentem
Outras mãos para acarinhar
Mãos que brigam, que castigam
Mas que sabem perdoar

E pouco a pouco o amor regressou
Como lume queimou
Essas bocas febris
Foi um amor que voltou
E a desgraça trocou
Para ser mais feliz
Foi uma luz renascida
Um sonho, uma vida
De novo a surgir
Foi um amor que voltou
Que voltou a sorrir

Há gargalhadas no ar
E o sol a vibrar
Tem gritos de cor
Há alegria na viela
E em cada janela
Renasce uma flor
Veio o perdão e depois
Felizes os dois
Lá vão lado a lado
E digam lá se pode ou não
Falar-se o fado.

terça-feira, 13 de dezembro de 2016

"SÓ O POETA" - Soares Teixeira



Só o poeta acorda as pedras das ruas
Que os vagabundos vestem ao cair da noite

Só o poeta inventa praças alegres
Nos terrenos baldios dos sonhos tristes

Só o poeta tem perguntas para os natais
Que cintilam indiferença diante do sofrimento

Só o poeta convida as aves para serem companhia
De quem tem de seu apenas dias estropiados

Só o poeta diz que as palavras têm dedos
Que tocam nos lábios de todos os olhares

Só o poeta



Soares Teixeira – 11-12-2016
(© todos os direitos reservados)

segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

DOIS TITÃS EM LISBOA



Sábado, dia 10 de Dezembro o lendário Charles Aznavour - 92 anos!! - com a sua inigualável voz e o seu tremendo charme levou ao rubro o Meo Arena, em Lisboa. Um espectáculo memorável!




Domingo, dia 11 de Dezembro o fabuloso Elton John apresentou-se no Meo Arena, em Lisboa. Tremendo! Esmagador! Electrificante! A casa ia vindo abaixo com a euforia do público.

domingo, 11 de dezembro de 2016

"O SOM" - Soares Teixeira



O som de latas a rolar no asfalto
O som da vespa sobre bocas mortas
O som da árvore ao ser cortada pela motosserra

O som da ruína que é habitada por morcegos
O som da chuva a cair sobre estradas sem forma
O som de máquinas a explodir junto às têmporas

O som como andrajo
O som como água putrefacta
O som como embriaguez de tarântula

O som do parafuso a apertar a desilusão



Soares Teixeira – 08-12-2016
(© todos os direitos reservados)

sábado, 10 de dezembro de 2016

"APETECE" - Soares Teixeira



Apetece
sair da fotografia do silêncio
ser paisagem vadia no olhar do Sol
destapar as paredes de um tempo antigo
ser peixe entre corais e ao ombro de uma onda
correr numa cozinha lunar
para a travessa dos doces antigos
e comer um astro do começo dos tempos
apetece

Porque na mão da hora
cai uma lágrima onde circula sangue
apetece lapidar estilhaços
e tentar que algum brilho seja camisa
apetece



Soares Teixeira – 08-12-2016
(© todos os direitos reservados)

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

"SAUDADE" - Soares Teixeira



Quando o frio nos escolhe
para fazer ninho na alma
ficamos a habitar um quarto
feito de sussurros, agulhas e humidade
e a nossa matéria é côdea de pão antiga
esquecida debaixo de um aparador
Dentro do abandono
aquece o som de um grilo entre folhas secas
a ancestralidade do Sol e do mar
o olhar digno de uma árvore que se ergue em honradez

Saudade
do tempo em que os palhaços faziam rir



Soares Teixeira – 08-12-2016
(© todos os direitos reservados)