domingo, 11 de dezembro de 2016

"O SOM" - Soares Teixeira



O som de latas a rolar no asfalto
O som da vespa sobre bocas mortas
O som da árvore ao ser cortada pela motosserra

O som da ruína que é habitada por morcegos
O som da chuva a cair sobre estradas sem forma
O som de máquinas a explodir junto às têmporas

O som como andrajo
O som como água putrefacta
O som como embriaguez de tarântula

O som do parafuso a apertar a desilusão



Soares Teixeira – 08-12-2016
(© todos os direitos reservados)

sábado, 10 de dezembro de 2016

"APETECE" - Soares Teixeira



Apetece
sair da fotografia do silêncio
ser paisagem vadia no olhar do Sol
destapar as paredes de um tempo antigo
ser peixe entre corais e ao ombro de uma onda
correr numa cozinha lunar
para a travessa dos doces antigos
e comer um astro do começo dos tempos
apetece

Porque na mão da hora
cai uma lágrima onde circula sangue
apetece lapidar estilhaços
e tentar que algum brilho seja camisa
apetece



Soares Teixeira – 08-12-2016
(© todos os direitos reservados)

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

"SAUDADE" - Soares Teixeira



Quando o frio nos escolhe
para fazer ninho na alma
ficamos a habitar um quarto
feito de sussurros, agulhas e humidade
e a nossa matéria é côdea de pão antiga
esquecida debaixo de um aparador
Dentro do abandono
aquece o som de um grilo entre folhas secas
a ancestralidade do Sol e do mar
o olhar digno de uma árvore que se ergue em honradez

Saudade
do tempo em que os palhaços faziam rir



Soares Teixeira – 08-12-2016
(© todos os direitos reservados)

segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

"VIVER" - Soares Teixeira



Viver:
maré alta
maré baixa
um gorjeio de mistério
- penso -
enquanto bebo
um púcaro de silêncio fresco
e como
um pensamento
recheado de além mar


Soares Teixeira – 05-12-2016
(© todos os direitos reservados)

domingo, 4 de dezembro de 2016

"EM TERTÙLIA", SOARES TEIXEIRA



Ontem, mais uma fantástica tertúlia no mítico café lisboeta "Martinho da Arcada", onde Fernando Pessoa escreveu muitos dos seus poemas. O vídeo acima reporta-se a uma destas tertúlias, a de 2011.

E numa tertúlia, onde a partilha da Palavra e o fraterno convívio são a melhor das ementas, eu sou assim:



EM TERTÚLIA


Retiro da árvore
a cereja da palavra
e como-a
lentamente
com absoluto prazer
Depois, no extremo da carne,
sou aquele que voa em alma
pássaro a possuir o espaço
promontório aceso
ímpeto de azul
cometa a viajar
princípio intacto
Então destapo os ombros
e, só atmosfera,
sou chuva de sílabas
na clareira
dos que celebram
a festa do poema
Evoé!
Ofereço-vos, deuses,
a minha alegria selvagem
em todas as janelas,
da voz e do gesto



Soares Teixeira – 04-12-2016
(© todos os direitos reservados)


domingo, 27 de novembro de 2016

"OFERTA" - Soares Teixeira



Acontece por vezes
que se caminho alheado
de tudo o que não seja
a minha paisagem de deveres
próprios de roda dentada
do mecanismo social
e o acaso me faz reparar
numa flor com que me cruzo
descubro
que ela me pode estar a chamar
que pode haver surpresa nos meus passos
e abrando o movimento
das engrenagens daquilo que penso valer a pena
e fico com a convicção de que também vale a pena
saudar
sorridentes balões coloridos,
caravelas nos mares da Lua,
baloiços a cintilar nos astros,
castelos feitos de manhãs e asas,
árvores em danças de roda,
cânticos na superfície dos lagos
como me acontecia quando eu era menino
e a minha pátria eram horas cheias de luz
e mundos dentro de flores

nesses momentos
há não sei que veleiro em mim
que me leva
leva…
e eu vou
e deixo-me em liberdade
largo esse pássaro em que me transformo
e deixo-me voar
desde a raiz da flor
até à alegria das pétalas

e vou mais longe ainda
e faço adeus a cometas
que se julgam atrasados
para a grande festa do infinito

e isso é bom
são boas estas ofertas
que recebo de mim mesmo
é com elas que adoço o café
não uso açucar



Soares Teixeira – 27-11-2016
(© todos os direitos reservados)