segunda-feira, 17 de outubro de 2016

"SEM EXPLICAÇÃO" - Soares Teixeira



Há um limite para além do qual
sou asa
e esse limite
acontece-me com o Belo
pode ser uma pintura, uma fotografia
um filme, uma canção
uma flor, um animal
ou um poema
às vezes penso
que a alma não me perdoaria
se eu me mantivesse alheio ao Belo
e isto estou a pensá-lo
aqui e agora
debaixo da ternura de um ramo de oliveira
que não está o pé de mim
mas está
porque há proximidades
que não têm explicação



Soares Teixeira – 17-10-2016
(© todos os direitos reservados)

domingo, 16 de outubro de 2016

"A CARTOLA" - Soares Teixeira






Pergunto:
para quê o sentarmo-nos
numa mágoa de espaldar alto
a escutar vozes
que trespassam a têmpora e o tempo?
para quê riscarmos os nossos nomes
do Sol que nos abre os dias
e da Lua que nos beija cada sorriso e cada lágrima?
para quê afundar o crânio no peito
e afundar o peito no poço do esmorecimento?
para quê?
é verdade que nem tudo são rosas
é verdade que as rosas murcham
é verdade que as rosas morrem
no tapete vermelho da vida há sangue, sim
há espinhos com fome de carne e alma
mas também há
berros de jovens ovelhas e de jovens pinheiros
frenesins musicais de pássaros e insectos
e a antiquíssima juventude do mar e das rochas
e a mágica cartola do vento
de onde podem sair
saltitantes coelhos coloridos
pombas perdidas de amor pelo azul
lenços em flor e a crescer em algo maior
e vontade e luta
numa nudez pura
que pode surgir
da mais imprevisível gota de orvalho
ou da mais íntima e inesperada silhueta solar



Soares Teixeira – 16-10-2016
(© todos os direitos reservados)

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

"PARAÍSO" - Soares Teixeira



Enquanto o céu descansa no seu sonho azul
eu liberto a incandescente escrita do olhar
e escrevo na minha carne
- aquela onde tenho as veias e aquela onde tenho os astros –
Unidade

Enquanto no céu se ergue a casa do silêncio
eu ascendo e comigo levo a carícia do cântico das flores 
e abro o meu livro
- o do sangue e o do gesto –
e abrasa-me a sede de voar

Enquanto o céu se estende em praia íntima do infinito
eu sou mar a renascer das minhas ondas
e beijo o segredo dos peixes e das árvores
e galgo rochedos e trepo montanhas
e grito em êxtase
Paraíso!



Soares Teixeira – 13-10-2016
(© todos os direitos reservados)

terça-feira, 11 de outubro de 2016

"ATRACÇÃO" - Soares Teixeira



Olhamo-nos

Contemplo o céu
e imagino
umas mãos brancas
depois opalinas
depois translúcidas
depois transparentes
depois aladas
ainda
em sossegado não ser

Aguardo

Quanto tempo? Não sei
talvez uma eternidade
talvez uma passagem de pássaro
talvez um breve rolar de esfera

Depois
sinto
nas minhas costas
as mágicas mãos
do teu olhar
azul
sinto-as
abertas
muito abertas
duas asas a bater
e nós a erguermo-nos
na atmosfera
do abraço

“Vejam astros!”
- exclamamos em silêncio -
enquanto nos voamos em beijos




Soares Teixeira – 11-10-2016
(© todos os direitos reservados)

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

"NOITE ESTRELADA" - Soares Teixeira



Noite
as estrelas respiram no céu
serenas
são incontáveis
observo-as
deitado no feno de um celeiro de espantos
não penso em nada
limito-me a estender os braços
num gesto nupcial
e leve deixo-me levar
subo
gravito
liberto-me da gravidade
ascendo
ofereço o ombro a um cometa
refresco-me em brisas de galáxias
deslizo nas entranhas do vazio
onde sou tudo
e vou…
a sorrir de prazer
por me sentir idêntico
ao poema onde sou feliz



Soares Teixeira – 07-10-2016
(© todos os direitos reservados)