quinta-feira, 21 de abril de 2016

"FICAR LONGE" - Soares Teixeira



Há dias em que as palavras não querem ser oferendas ao pensamento e o que apetece é não pensar em nada, absolutamente nada. Para quê pensar se tudo é irreconhecível? Antes o vazio, o nada. Lá ao menos não há sede de sangue, nem cavalos atravessados por lâminas de medo, nem gargantas onde serpentes celebram a morte de veias livres. O vazio….. o nada….. sem centro ou periferia, sem começo ou fim, sem luz ou sombra ….. o vazio ….. o nada ….. apenas ….. e tanto. E é tanto o que existe quando a respiração pode ser leve, leve, leve, levíssima, mais leve qualquer punhal a aguardar a hora de ser riso de hiena a celebrar traição. Ficar numa ausência, num tempo incerto, num espaço ocupado não pelo corpo mas pelo espírito – liberto de todos os caminhos, de todas as origens, de todo o horizonte. Ficar longe, bem longe do hálito de latrinas vestidas de seda.



Soares Teixeira – 21-04-2016
(© todos os direitos reservados)

segunda-feira, 18 de abril de 2016

"ILUSÃO" - Soares Teixeira



Ilusão?
é ser chão
e levar os dedos à boca
e sentir sol e luar
e orvalho e ar
e estender os braços
até tocar no voo dos pássaros
e estremecer o corpo de terra e rio
e crescer abraçado a uma árvore
e sonhar
ser fruto no céu
e ser esse sonho em arcos de gesto
e ser o fruto que se sonha
e ser o sonhado sonho
a beber o vinho de todas as danças
e a dançar o vinho de todas as festas

ilusão?
é construir viagem
desejo a desejo
pergunta a pergunta
e sem nunca terminar essa ponte
dar-lhe um nome
“Miragem”
e tirar-lhe uma fotografia
e guardá-la
no chão do peito
e sentir-lhe as cores
na solitária inauguração
de cada instante



Soares Teixeira – 18-04-2016
(© todos os direitos reservados)

domingo, 17 de abril de 2016

"ABRIL" - Soares Teixeira



Há pequenos duendes no ar
uns riem-se depressa 
outros devagar 
são sílabas a brincar

magia no jardim do azul
até as nuvens param
para observar
aquele encanto de crianças

é Abril!
e temos cravos debruçados do olhar
dêem-nos as mãos irmãs sílabas
é Abril! vamos dançar!



Soares Teixeira – 17-04-2016
(© todos os direitos reservados)

sexta-feira, 15 de abril de 2016

"PORTUGUÊS" - Soares Teixeira




Recomeçar
com o vento
ir com a luz
sobre a palma da mão
do mar

O meu destino?
navegar
ir na nervura do horizonte

Ir
respirar estrelas com o olhar
semear ilhas nos mapas
descobrir
inventar
ser o primeiro
ser maior
mais íntimo do azul
mais próximo do além
juntar continentes
dizer Portugal

Escrever saudade
na areia de uma praia distante
dar a conhecer ao mundo
a Humanidade
e voar
em suspiro profundo
depois de ser Sol
no corpo de outra mulher



Soares Teixeira – 15-04-2016
(© todos os direitos reservados)

quinta-feira, 14 de abril de 2016

"A ROSA BRANCA" - Soares Teixeira




A rosa branca
repousava entre os dedos
cruzados
assentes sobre o joelho direito
perna traçada
calça vincada
camisa aprumada
de manga curta
porque era verão

quando ela o viu
deteve-se
compreendeu e corou

com um sorriso
recordou:
“Um dia peço a uma rosa branca
para te pedir em casamento”

abraçaram-se
e só a rosa falou



Soares Teixeira – 14-04-2016
(© todos os direitos reservados)

quarta-feira, 13 de abril de 2016

"MOMENTO" - Soares Teixeira



Entro numa página
suspensa no céu
onde está escrito um verso
e
com toda a minha alma
a cumprir silêncio
transformo-me noutro
noutro ainda
em tantos quantos descubro
nas páginas que se sucedem
e
na polpa de cada verso
na imensidão de cada página
vejo aceso um verbo
e
o verbo é ser

regresso
poiso na minha infância
tudo fica para trás
em frente
sobre uma mesa
os meus lápis de cor
e
uma folha em branco

espreito-me
de aqui para lá
de lá para aqui

fecho os olhos
sinto os lápis e a folha em branco
não sei por quanto tempo

um choro
faz com que as minhas pálpebras
se abram ao presente
observo uma criança ao colo da mãe

levo a chávena aos lábios
bebo um pouco de café
está frio
não dei pelo tempo passar

penso-me
sinto-me verso pesado
e
o verbo é ser



Soares Teixeira – 13-04-2016
(© todos os direitos reservados)