segunda-feira, 7 de março de 2016

"BRINDEMOS" - Soares Teixeira




Dos gestos convertidos em garganta
cresce o desassossego
de sílabas
de espera em flor
que se juntam
para a sagrada consumação do mais além
e assim nascem
as palavras
céu prometido pelos deuses
aos seus filhos dilectos

gratos cantemos
gratos dancemos
gratos celebremos em poesia
essas asas tão íntimas dos astros

o poema é gesto de marinheiro
quando leva a mão à testa
para observar o mar
o poema é gesto de lavrador
quando coloca as mãos sobre os rins
ao observar a terra
o poema é gesto de criança
quando aponta o sol
na cúpula do olhar materno
o poema é o sermos pássaros
na grande festa da descoberta

abram-se as portas
abram-se as portas à liberdade
aos gestos convertidos em garganta
aos dedos convertidos em voz
e juntos brindemos
às praias do infinito



Soares Teixeira – 07-03-2016
(© todos os direitos reservados)

domingo, 6 de março de 2016

"HOJE ESTOU ASSIM" - Soares Teixeira




a poesia poderá estar nos misteriosos acordes de um piano transparente, nos súbitos frutos libertos de todos os princípios e de todos os fins, nos gritos dilacerados das tempestades, na chuva que cai sobre telhados de cidades onde a lentidão das noites torna fantásticos os seus recantos mais infectos, na insónia de rios que a todos os instantes passam pelos gestos com que os barcos os afagam, no estrépito de cor de flores silvestres, no inexplorável ócio com que a névoa se afasta de caminhos guardados no extremo da fragilidade, no ondulante e aveludado silêncio com que as algas dizem que sim e que não a peixes submersos em pensamentos surpreendentes e jamais acessíveis a pássaros de asas guardadas em casacos cinzentos. Sim talvez a poesia ande por aí… talvez esteja por aí, a poesia… na vertigem, na viagem, no murmúrio, nas lâmpadas e nas rosas, nas coisas todas, na matéria e na antimatéria… talvez ande por aí – anda certamente… anda. Que ande! A poesia que neste momento eu quero é aquela que está no olhar de um cão quando sabe que o seu amigo de duas patas morreu. Essa é a poesia que eu quero. Mais nada. Hoje estou assim. Prometo a mim mesmo que amanhã a mágoa já não será cigarra. Por agora mais não posso fazer.



Soares Teixeira – 06-03-2016
(© todos os direitos reservados)

sábado, 5 de março de 2016

"ENQUANTO" - Soares Teixeira




enquanto de um humano cântaro
a poesia cair na taça dos dias
mais brilhante será o olhar das árvores
renascido será o azul das distâncias
assombrados estarão os deuses


Soares Teixeira – 05-03-2016
(© todos os direitos reservados)

quarta-feira, 2 de março de 2016

"EM MARÇO" - Soares Teixeira




em Março o rio por onde vou 
saúda um mar por acontecer
em Março o peixe que sou 
saúda a ave que hei-de ser
e é em Março que nas árvores 
há deuses a florescer


Soares Teixeira – 02-03-2016
(© todos os direitos reservados)

"IR" - Soares Teixeira




purificar a respiração
num livro de poesia
página a página

sem pressa
lentamente
como um sol transparente

beber das palavras
o azul que chega
às praias das asas

e ir
de sede em sede
de poema em poema

ir
conhecer a nudez
das pedras e dos astros



Soares Teixeira – 02-03-2016
(© todos os direitos reservados)

terça-feira, 1 de março de 2016

"SUL" - Soares Teixeira




pergunto à palavra saudade
que aponte para um ponto cardeal
e ela aponta para o Sul



Soares Teixeira – 01-03-2016
(© todos os direitos reservados)