quinta-feira, 3 de setembro de 2015

"ENGATE" - Soares Teixeira




Surge sem eu dar por isso
faz-me uma pergunta banal
- fala com ligeireza de pomba

o pensamento é um cigarro
que deixo rolar no espaço
- observo-o de vários ângulos

a solidão é um isqueiro
que uso para acender o pensamento
- vou lendo o que oiço

há dentro de mim
uma porta fechada
- abro-a?

os músculos do olhar
são a mão que empurra a porta
- ela compreendeu



Soares Teixeira – 03-09-2015
(© todos os direitos reservados)

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

"CHÁVENA" - Soares Teixeira




Gosto de beber o café por uma chávena
lentamente
e que durante esse ritual nada aconteça
que me afaste do estar ali
sem outra razão para além do eu ter escolhido
aquele instante e aquele lugar
para inventar um mundo de répteis sem peso
ali
sentado a uma mesa
tranquilidade sem telhado
espírito guardado num bolso de olhar
olhar vazio
pausa de centauro longe de patas incandescentes

as pessoas passam
quantas iguais a mim
quantas diferentes
todas atravessadas por obrigações
e a colecionar janelas que jamais hão-de ter
gotas a rolar
gotas de chuva gotas de orvalho gotas de tempo
passam
alheias à forma como quase beijo a chávena
lentamente
(por isso eu gosto do café servido numa chávena)

nunca se deve arrancar um prazer pela raíz
numa chávena pois
e de porcelana se possível
para plástico já bastam os sorrisos falsos



Soares Teixeira – 01-09-2015
(© todos os direitos reservados)

segunda-feira, 31 de agosto de 2015

"ENTARDECER" - Soares Teixeira




Entardecer
o fio da noite
ainda ribeiro frágil
a crescer
o Sol
um resto de vermelho
algures no passado
e já no futuro
o horizonte
sente a minha presença
e envia uma gaivota
olho-a
como se eu fosse ela
a olhar-me
e os dois
em transparente paz
celebramos
a seiva da unidade
o mar junta-se à Lua
e nesse longo luar
sou árvore a voar



Soares Teixeira – 31-08-2015
(© todos os direitos reservados)

sábado, 29 de agosto de 2015

"NOITE DE VOLÚPIA" - Soares Teixeira




Noite de volúpia
noite de vértebras
em vinho e vento
em uivo e canto

e eu meu amor
vou
no meu gesto
de derradeiro raio de Sol

derradeiro
e primeiro
promontório do espanto
vou

lento navio
de todas as praias
a todas
dizendo adeus

lenta sílaba
a subir
incandescente
à unanimidade do além

Sol
que sou
beijo-te
lentamente

Lua
tão alma e tão murmúrio
tão carne e tão grito
tão ancas de infinito



Soares Teixeira – 29-08-2015
(© todos os direitos reservados)