domingo, 2 de agosto de 2015

"ACREDITAR" - Soares Teixeira




Hoje
entrei dentro da concha
de um búzio
que apanhei na praia
depois
sentado na areia
escutei a minha voz
numa memória
que fui construindo
ao som do mar
Quando dei comigo
estava no pôr do sol
que era belo
como sempre
mas…
diferente
havia nele algo profundamente
longínquo
senti-lhe um respirar antigo
perguntei-lhe se me estava a pedir
para acreditar nas lendas e nos mitos
     silêncio
enquanto aguardava a resposta
a espuma
que sabia que eu não estava a fingir
chiava no chão
num branco regresso do trabalho
Uma gaivota fez-se dedos
e rodou-me o queixo
ao meu lado um barco Fenício
acabado de chegar
sim, era Fenício, tenho a certeza
porquê?
porque mo disse o único marinheiro
da embarcação
disse-mo olhos nos olhos
e eu acreditei
- e como não acreditar,
se quem estava diante de mim
com corpo de azul a começar
e alma de ilhas a voar
era eu?!
eu!
a ver-me …
homem búzio
sentado à beira mar



Soares Teixeira – 02-08-2015
(© todos os direitos reservados)

quarta-feira, 29 de julho de 2015

"DIGO-VOS" - Soares Teixeira




Digo-vos
tentaculares braços de lodo

por mais pesada
que seja a pedra
assente na pálpebra
do instante
de vidros embaciados
sem sol de agora
ou de hora futura
por mais longínquas
que estejam
as gargalhadas vitoriosas
dos azuis
onde os pássaros
são felizes acrobatas
por mais trémulas
que sejam as colunas
do edifício
onde se constroem
barcos com cascos de vento

digo-vos
tentaculares braços de lodo

há na antiquíssima
luz das veias
uma asa que quer ser gente
no olhar dos espaços
gente para lá da estrada
submersa em cinza e ácido
uma asa de além
que não deixa
as lutas ao abandono
uma asa que ergue vontades
em mar de punhos cerrados
de onde saltam peixes
jamais imaginados

e isto
é o que tenho para vos dizer
tentaculares braços de lodo



Soares Teixeira – 29-07-2015
(© todos os direitos reservados)

terça-feira, 28 de julho de 2015

"IR" - Soares Teixeira




Que ninguém roube as praias
a este ir para descobrir
que ninguém roube as formas
da visão futura
que ninguém faça desaparecer
os pássaros por acontecer

ir
espalhar caminhos
para os novos passos
ir
de olhos encostados
ao horizonte
ir
com as narinas
a viver o aroma de outras laranjas
ir
como instinto
onde corre sangue de verso
ir
completar o tempo
com novos espaços

que ninguém despeje o cálice
deste ir para descobrir
que ninguém corte a árvore
deste respirar amanhãs
que ninguém apague o fogo
que se abre ao vento e à chuva



Soares Teixeira – 28-07-2015
(© todos os direitos reservados)

segunda-feira, 27 de julho de 2015

"O POEMA ORIGINAL" - Soares Teixeira




Suspensa
a lua brilha
há nela um sorriso de milénios
fascinados
poderíamos ficar nesse repouso

mas…
 e quando
abrimos os reposteiros do olhar?
ah!
então aí
ela surge
- viva eclosão de esplendor -
sobre a mão do enigma
e aquilo que dela se liberta
e nos liberta
é um sangue de origem
um braço primordial
um sopro
de espaço para lá do espaço
de tempo para lá do tempo
de Ser para lá do Ser
inevitável
não sentir na boca
o pão do espanto
e o vinho da festa
inevitável não celebrar

nem espuma nem chuva
nem linha nem margem

apenas
o esvaziarmo-nos num ventre
e esperar que o vento dos promontórios
revele o poema original



Soares Teixeira – 27-07-2015
(© todos os direitos reservados)

domingo, 26 de julho de 2015

"AS MINHAS PORTAS" - Soares Teixeira




As minhas portas
abertas pelas palavras
do horizonte
e pelas mãos das distâncias
que crescem com o vento
e pelo mar
opulento reino de insondável sede

As minhas portas
abertas pela resina a deslizar
em árvores antiquíssimas
que transportam pelos espaços
cânticos de tempos
em que a verdade
vivia nas asas dos pássaros

As minhas portas
escancaradas
a barcos que assombram relâmpagos
a sonâmbulas gotas de orvalho
que deslumbram montanhas distantes
a búzios
consagrados a ilhas transparentes

As portas do meu corpo ausente
no dorso de cavalos alados
vão………. ..deixá-las ir
do peito
fica o olhar-te
e o ser-te oferenda
Sol



Soares Teixeira – 26-07-2015
(© todos os direitos reservados)

sábado, 25 de julho de 2015

"NA VOZ DOS PÁSSAROS" - Soares Teixeira




Na voz dos pássaros
eu
plátano
tu
acácia

e talvez assim fosse
talvez assim
crescêssemos em beijo
azul acima
rodeados de poetas
a celebrar mistérios
poetas de asas abertas
na intensa nudez do ar

algo acontecia
na superfície do sol
nascido do beijo
e as aves
ébrias de uma claridade
para além da memória
cantavam-no
deslumbrando a brisa



Soares Teixeira – 25-07-2015
(© todos os direitos reservados)