quinta-feira, 23 de julho de 2015

"NA PRAIA" - Soares Teixeira




Ela caminha
como se fizesse parte
da história de uma nuvem
quem é?
pergunta o entardecer de Julho
não sei
respondo
e dou comigo a escrever
com o olhar
bela… bela… bela…

de movimento tatuado
ela afasta-se ondulando
e eu
transformado em peixe
sigo-a
sem esvaziar o copo do prazer



Soares Teixeira – 23-07-2015
(© todos os direitos reservados)

terça-feira, 21 de julho de 2015

"RETRATO"- Soares Teixeira




Estendo os braços
vivo as cores de mapas
que ondulam
na linha do horizonte

O mar deixa-me ser pássaro
assim me ofereço ao azul
aberto   
um dia serei álbum fechado

Pendurado na parede
do pensamento
o meu retrato
aquele que só o Sol conhece



Soares Teixeira – 21-07-2015
(© todos os direitos reservados)

segunda-feira, 20 de julho de 2015

"DESENCANTO" - Soares Teixeira




O deserto avança
dentro do labirinto
onde o bicho-Homem
uiva
à luz hipnótica
dum mundo
que finge ser o seu

abençoadas sejam as árvores
porque não puxam as nuvens
para dentro de pântanos
onde guardam as manhãs em combustão lenta
abençoados sejam os pássaros
porque não colocam o azul
em travessas de penumbra
onde sinistras noites mergulham os tentáculos

o bicho-Homem olha-se ao espelho
para dar forma ao vento
e abraçá-lo pela cintura
num prolongado gesto
de solidão a chover morte sobre a vida

em que barco
vão os paraísos inventados?

naufrágio
tudo naufrágio

salvem-se as aves
para que delas desça uma nova era


Soares Teixeira – 20-07-2015
(© todos os direitos reservados)

quarta-feira, 15 de julho de 2015

"VISCERAL" - Soares Teixeira



O Sol inacabado
daquele primeiro momento
em que a coluna vertebral
da liberdade
se ergueu aos espaços
inacabado será sempre

porque sempre haverá répteis
a nascer das flores
porque sempre haverá fontes
de onde brota a saliva dos chacais
inacabada
será sempre
a luta que se liberta das origens

inacabado
será sempre
o Sol
daquele primeiro punho

 
Soares Teixeira – 15-07-2015
(© todos os direitos reservados)

terça-feira, 14 de julho de 2015

"O ÚNICO CAMINHO" - Soares Teixeira



Sei que poisada no ombro da noite
uma ave respira este estar só
este ser sílaba sem corredores nem salas
este ser silêncio a ondular numa rosa de nada

No cimo de um rumor sem pressa
a ave é o único caminho intacto
que posso percorrer
sem que as hienas nasçam das pedras

Dentro de que sangue conduzir o corpo?
no da brisa dos instantes? no da intimidade do ar?
ou no do brilho dos astros
onde os mistérios fazem ninho?



Soares Teixeira – 14-07-2015
(© todos os direitos reservados)

terça-feira, 23 de junho de 2015

"QUASE UM POEMA DE AMOR" - Miguel Torga




Há muito tempo já que não escrevo um poema
De amor.
E é o que eu sei fazer com mais delicadeza!
A nossa natureza
Lusitana
Tem essa humana
Graça
Feiticeira
De tornar de cristal
A mais sentimental
E baça
Bebedeira.

Mas ou seja que vou envelhecendo
E ninguém me deseje apaixonado,
Ou que a antiga paixão
Me mantenha calado
O coração
Num íntimo pudor,
— Há muito tempo já que não escrevo um poema
De amor.

Miguel Torga, in 'Diário V'