quarta-feira, 29 de abril de 2015

"OFERENDA" - Soares Teixeira





O sol é um fruto
e eu
estendido no convés do veleiro
braços entregues
às sílabas do descanso
pernas abertas em compasso
de geómetra de si mesmo
sou oferenda
que se entrega
ao azul de luz em grito

nenhuma palavra em mim
apenas contemplo
e sou templo
consagrado à grande árvore
com seiva de infinito

sobre as ondas
vou
como vértice que ondula
por bagagem
levo o olhar
e o navio
que é íntimo da viagem



Soares Teixeira – 29-04-2015
(© todos os direitos reservados)

terça-feira, 28 de abril de 2015

"À PROA" - Soares Teixeira



Navio "Santa Maria Manuela". "Tal Ship Races" Cádis/Lisboa - 2012)


Gosto do poema
que se deixa acontecer
nas asas
de quem com ele voa

o poema sem abóbada
onde cabem as ondas do mar
as flores sem idade da lua cheia
ou o murmúrio dos rios siderais

de braços abertos
o poema e eu
a brincar às idas e aos regressos
os dois à proa

deste veleiro que é viver



Soares Teixeira – 28-02-2015
(© todos os direitos reservados)

sexta-feira, 24 de abril de 2015

"A POESIA DÁ SAÚDE" - Soares Teixeira





Há uvas no poema
provo-as
são boas

estranha sensação ao senti-las na boca
mastigo-as
com prazer

apetece conversar com um pássaro
à luz de um sentimento ancestral
e com ele recomeçar noutro azul

e apetece o atrevimento
de rodear o sol com os braços
e dançar a dança
dos espíritos por acontecer

a poesia faz bem
dá saúde à liberdade



Soares Teixeira – 24-04-2015
(© todos os direitos reservados)

quinta-feira, 23 de abril de 2015

"ACONTEÇA O QUE ACONTECER" - Soares Teixeira





Gota a gota
os dias caem
nos degraus do tempo

fica um rasto
de sangue
de ilusão

haverá uma barca
à espera da hora
que pousa nas pálpebras?

E se houver?
acontecerá viagem
num segredo primordial?

E se não houver?
extingue-se o extinto o vulcão
no definhar da memória?

Aconteça o que acontecer
não existirão bandos de beijos
a voar no amanhecer



Soares Teixeira – 23-04-2015
(© todos os direitos reservados)

quarta-feira, 22 de abril de 2015

"UMA FLOR NA LAPELA" - Soares Teixeira





Dizer um poema
é ir ao seu encontro
colocar-lhe uma flor na lapela
e depois dizer
“vem
entra na minha janela
alonga-te nas minhas ruas
e nos meus segredos
caminha no chão que encontrares
se quiseres dançar dança
se quiseres cantar canta
se quiseres gritar grita
talvez me encontres num instante
em que me apeteça fazer a mesma coisa
ou talvez não
podes demorar a fazer sentido no meu sentir
e eu ter dificuldade em me misturar
com as tuas palavras
ou podemos ser imediata posse mútua”
Às vezes o poema incendeia as veias
outras vezes é uma nuvem triste
com gente dentro a chorar por dentro
o poeta
ah sim quantas vezes
tatuado a exílio
ilha a forçar a porta do sol
e de página sonâmbula no olhar
o poeta chora a força que tem de fazer
para sustentar o telhado do ser
poeta
mereces que te digam
“vem
entra na minha janela
alonga-te naquilo que encontrares
queres passear apenas? Passeia
queres apascentar um rebanho? Seja
queres conversar? Sim, sejamos búzios
se quiseres podes descansar
senta-te um pouco na natureza do meu mundo
estender-te-ei um pano branco
tecido com as linhas da minha condição
dar-te-ei a beber um pouco da minha alma”
Creio que o mar habita todas as metáforas
e a vida por ser mortífera tem saltos altos
e as casas são a efémera polinização dos seus espaços
e tudo acaba por ser geografia em processo de descoberta
por isso
não aos poemas parados no silêncio
não aos poetas longe da mesa das suas palavras
“vem poema
vem
porque eu vou ao teu encontro
há em mim um rio falante
e nele uma flor
para te colocar na lapela
vem poema
vem
entra na minha janela”




Soares Teixeira – 22-04-2015
(© todos os direitos reservados)