segunda-feira, 13 de abril de 2015

"BOM DIA" - Soares Teixeira





É manhã
bom dia meu horizonte
esta ilha que levo no bico
deixo-a cair
nos lábios com que sorris
tu
ficas um mar mais exuberante
e eu
mais feliz
é bom
o beijo da geografia



Soares Teixeira – 13-04-2015
(© todos os direitos reservados)

domingo, 12 de abril de 2015

"GUARDA-ROUPA" - Soares Teixeira





Abro o guarda-roupa do peito
e ponho-me a olhar para o que me apetece vestir
talvez uma altitude de montanha
envolta por nuvens adormecidas
talvez a minúcia de um insecto num árvore
em tons de castanho e verde
talvez este bulício de cidade cosmopolita
numa mistura de cores em movimento
deixa-me ver bem...
tenho aqui uma lentidão de folha a cair
de uma janela num quinto andar
(leva um poema escrito)
tenho também um olhar de ondas
a espreitar as praias
um raio de luz a brincar
com as pétalas de um malmequer
um caminho de pedras milenares
a segredarem os segredos de passos de gente
que não ficou para a história
e de patas de cavalos que transportaram gente
que fez história e tem morada nas enciclopédias
uma clareira de silêncio a cujo centro
chegam e partem constantemente
duendes musicais que festejam coisas
que só eles sabem tocando instrumentos únicos
que vão nascendo nas suas pequenas mãos
ah talvez este promontório sempre recém-nascido
do templo que sobre a sua extremidade se ergue
numa ousadia de pedra quase aérea
e este espaço que uma manada de búfalos reclama?
ou ainda esta cortesia de flor que me sorri?
não me parece mal
talvez a cúpula atravessada pelos quadris de um desejo
também há aqui um relâmpago errante
que me parece interessante
ainda a ondulante viagem dos seres marinhos
ou um cacho de uvas oferecido pela distância
vou passando uma a uma as indumentárias
de que me poderia vestir
às vezes detenho-me numa delas
hesitante
e depois continuo
em busca daquilo que me parece mais adequado
o facto é que estou indeciso
de repente ao afastar o cabide onde estava um aroma silvestre
um pássaro fulgurante salta vertiginoso do guarda-roupa
veste-se com a minha indecisão e em certeiro alvoroço
leva-me para o íntimo azul da sua única certeza
a liberdade



Soares Teixeira – 12-04-2015
(© todos os direitos reservados)

"BEBER" - Soares Teixeira





Dizes-me que beba
onde a palavra é água
e eu bebo-te em beijos

corpo são gotas de chuva
que rolam na minha língua vegetal
até à raiz da minha luz animal

corpo é a palavra viva
onde cometas começam
a insondável viagem

beber-te é o que te digo
como onda a dizer praia
e pássaro a dizer paisagem



Soares Teixeira – 11-04-2015
(© todos os direitos reservados)

sexta-feira, 10 de abril de 2015

"PORTAS DO SOL", Santarém




Foto de minha autoria tirada das "Portas do Sol", em Santarém. 04-Abril-2015

quinta-feira, 9 de abril de 2015

"ÉBRIOS" - Soares Teixeira





Num puro divagar de vento
lentamente navego os dedos
nos teus cabelos
a flutuar na minha retina

há uma calma que se liberta
do sono da lua
porque nela somos pálpebra pesada
apetece parar o veleiro e dormir

mas não
estamos ébrios demais
para deixar de beber realidade
ébrios demais mas não o bastante

nunca



Soares Teixeira – 09-04-2015
(© todos os direitos reservados)

quarta-feira, 8 de abril de 2015

"DANAÇÃO" - Soares Teixeira





Saber onde está
a matéria-prima do poema?
se na nervura do quotidiano?
se na pulsação da metafísica?
Quero lá saber!
Que se dane!

chove
é Abril e parece Dezembro
há dois dias o sol era mel

a matéria-prima do poema
está
numa chávena de café
a rodar em volta da colher imóvel
está
nas árvores ao contrário
e com raízes nas nuvens
está
nos intermináveis testículos de touros
enfiados em buracos de planetas distantes
está
na costela lilás de uma múmia egípcia
ou azteca (tanto faz)
está
por aí no avesso do contrário
e no contrário do avesso

onde ela não está
é nos impropérios que lanço ao tempo
impropérios sim
e porque não?
sou matéria-prima de mim
e em estado de danação
com esta meteorologia que nos é oferecida
por deuses com neurastenia



Soares Teixeira – 08-04-2015
(© todos os direitos reservados)