Abro o guarda-roupa do peito
e ponho-me a olhar para o que me apetece vestir
talvez uma altitude de montanha
envolta por nuvens adormecidas
talvez a minúcia de um insecto num árvore
em tons de castanho e verde
talvez este bulício de cidade cosmopolita
numa mistura de cores em movimento
deixa-me ver bem...
tenho aqui uma lentidão de folha a cair
de uma janela num quinto andar
(leva um poema escrito)
tenho também um olhar de ondas
a espreitar as praias
um raio de luz a brincar
com as pétalas de um malmequer
um caminho de pedras milenares
a segredarem os segredos de passos de gente
que não ficou para a história
e de patas de cavalos que transportaram gente
que fez história e tem morada nas enciclopédias
uma clareira de silêncio a cujo centro
chegam e partem constantemente
duendes musicais que festejam coisas
que só eles sabem tocando instrumentos únicos
que vão nascendo nas suas pequenas mãos
ah talvez este promontório sempre recém-nascido
do templo que sobre a sua extremidade se ergue
numa ousadia de pedra quase aérea
e este espaço que uma manada de búfalos reclama?
ou ainda esta cortesia de flor que me sorri?
não me parece mal
talvez a cúpula atravessada pelos quadris de um desejo
também há aqui um relâmpago errante
que me parece interessante
ainda a ondulante viagem dos seres marinhos
ou um cacho de uvas oferecido pela distância
vou passando uma a uma as indumentárias
de que me poderia vestir
às vezes detenho-me numa delas
hesitante
e depois continuo
em busca daquilo que me parece mais adequado
o facto é que estou indeciso
de repente ao afastar o cabide onde estava um aroma
silvestre
um pássaro fulgurante salta vertiginoso do guarda-roupa
veste-se com a minha indecisão e em certeiro alvoroço
leva-me para o íntimo azul da sua única certeza
a liberdade
Soares Teixeira – 12-04-2015
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