sábado, 28 de março de 2015

"MEDITAÇÃO" - Soares Teixeira





Às vezes gosto de estar
na serenidade que sinto sobrar
das coisas simples
e suavemente deixo-me renascer
na flor que entra dentro de mim
no céu que me fala sem palavras
ou muito simplesmente
no rio que corre da nascente
para o silêncio
eu

É bom este não desejar mais nada
para além da nitidez da tranquilidade
e deixar o falso cristal da realidade
onde o engano é tanto
que parece transparente aquilo que é baço
e cansa saber que afinal não se conhece
quem se julga conhecer

Por isso me sinto bem
na entrega às coisas puras
como a água e o ar
por onde às vezes gosto de caminhar
lentamente
levemente
como um princípio
sempre assim mesmo
princípio apenas
inicial
banal
e onde está intacto tudo aquilo
que fertiliza o Ser



Soares Teixeira – 28-03-2015
(© todos os direitos reservados)

terça-feira, 24 de março de 2015

"PERMANECER" (a Herberto Helder) - Soares Teixeira





Herberto foi para outra página
como acontece com toda a gente
mas permanece no Livro
poderá ter mudado de invólucro
e este ser agora
feito de pele de eternidade
essa nunca última estação
do comboio da ilusão
esse apeadeiro do estar aqui
a apontar para ali
mas permanece
sim
Herberto permanece no Livro
por onde muitos passarão
e onde poucos ficarão
Acenam-lhe pombas brancas
de linho
são as palavras que o saúdam
em gestos leves e largos
as suas palavras
as nossas palavras
que nunca o deixarão
ficar sózinho



Soares Teixeira – 24-03-2015
(© todos os direitos reservados)

segunda-feira, 23 de março de 2015

"HÁ DIAS ASSIM" - Soares Teixeira





Hoje preciso de uma palavra sincera
que me fale de pássaros
de lugares pitorescos
e do começo do amor
uma palavra honesta
mas qual?
qual? Não me ocorre nenhuma
e necessito urgentemente dessa palavra
ela que venha
que venha rápido
e repeti-la-ei por dez vezes
vem palavra amiga vem
vem!
sem qualquer insinuação entre as sílabas
sem murmúrios escondidos por detrás das letras
sem nenhuma sugestão à sua volta
estou cansado das sombras das palavras
e dos seus reflexos e da suas obesidades
e dos anéis que levam nos dedos

há dias assim
sinto as costas curvadas
sob o peso de palavras de granito húmido
com espigões nas arestas
e estranhos desenhos gravados nas suas faces
demoro-me num nada
rodo a cabeça procurando relaxar
tento ter a idade do silêncio
e fico pensar na eternidade
mas isso é ser muito velho ou não ter idade
e eu quero ter idade e não quero ser muito velho
não me apetece
hoje já envelheci o suficiente ao som de falsas claridades
seria bom ser flor ou rio
para não pensar nestas coisas tão parvas
mas tão parvamente reais
ah se eu me transformasse agora em cavalo
daria já meia dúzia de pinotes e voava para outro lugar
mas os cavalos não voam
não?
e porque não?
olha…
achei-a
achei a palavra
sou branco e relincho de gozo
conseguem ver as minhas asas?

voar voar voar voar voar voar voar voar voar voar



Soares Teixeira – 23-03-2015
(© todos os direitos reservados)

domingo, 22 de março de 2015

"REI" - Soares Teixeira



(Cabo Sounion- Grécia)

Estão intactos
todos os promontórios da Atlântida
ilha que um dia me encontrou
a navegar rumo à descoberta do meu Ser
e é por eles que caminho
quando se parece afundar
o mundo que me viu nascer
Intactos estão
como os mares que ergo à Lua
na taça das mãos
como os céus que entrego aos touros
na dança da ave sagrada
como as uvas que dou a comer aos sonhos
na hora em que me pinto de horizonte
intactos estão
todos os promontórios da Atlântida
por eles caminho
quando quero celebrar
o longo beijo entre o Sol e o mar
numa entrega de lábios que também são meus
por eles caminho
quando quero regressar
ao palácio que se ergue no centro do meu peito
onde sou rei da minha condição



Soares Teixeira – 22-03-2015
(© todos os direitos reservados)

sábado, 21 de março de 2015

"TODOS OS DIAS" - Soares Teixeira





Todos os dias
a Terra roda as suas ancas
na dança da poesia
Todos os dias
as árvores erguem as suas taças
e saúdam a poesia
Todos os dias
os pássaros são o azul
com que cantam a poesia

Todos os dias
desde que a luz entrou no tempo
desde a primeira partícula de magia

Todos os dias
são o primeiro dia
da claridade da poesia



Soares Teixeira – 21-03-2015
(© todos os direitos reservados)