quarta-feira, 18 de março de 2015

"CHAVE DE PARAFUSOS" - Soares Teixeira





A chave de parafusos
roda
e duas palavras
são unidas
pelo parafuso

Trabalho Dignidade

Não me venham
com as vossas teorias
que até não são vossas
são dos vossos donos
não me venham falar
dos riscos de uma mão
que para além de apertar
também conhece
as letras da liberdade
risco é o serdes castração
mão que é mão completa
chega ao pensamento
e com outra chave de parafusos
aperta duas palavras
igualmente unidas
por um parafuso

Entendimento Coragem

Não me venham com hipocrisias
com os estudos cinzentos
sobre a intoxicação da multidão
com os métodos disfarçados
de manipulação da informação
e digo-vos mais
o poema não pede autorização
para ser parafuso
nem o parafuso pede autorização
para ser poema

Quem não compreende
que se invente
dentro de um frasquinho

E acrescento
que felizmente
em muita gente
a chave de parafusos
o parafuso
e a mão
sabem o seu caminho



Soares Teixeira – 18-03-2015
(© todos os direitos reservados)

terça-feira, 17 de março de 2015

"AO FUNDO" - Soares Teixeira





Ao fundo
um rio
com duas margens
sou eu

se gostava de ser adivinho
para adivinhar nascentes e estuários
não!
para quê?
todos os meus presentes
são os meus contrários
bebo dos instantes
que me bebem
basta-me isso
para passar entre as rochas
com peixes no peito
e luar espelhado
na minha superfície
de sonho liquefeito



Soares Teixeira – 17-03-2015
(© todos os direitos reservados)

segunda-feira, 16 de março de 2015

"MORO NUM 100º ANDAR" - Soares Teixeira





Moro no 100º andar
de um pensamento com vista para o mar
não sei quantos quartos tem
nem quantas salas
não sei quantas luzes estão acesas
ou quantas estão apagadas
não sei o que está em ordem
ou o que está em desordem
sei que há aposentos luxuosos
e outros nem por isso
sei que há corredores que me metem medo
e outros não
sei onde gosto de me despir
e onde nunca o faço
as paredes as portas as janelas
o tecto e o chão
devem estar lá
mas não sei onde estão
nem quero saber
quando convido os pássaros as estrelas
e os navios
alguns com forma de gente ou de nuvem
digo apenas
apareçam quando quiserem no 100º andar
do meu pensamento com vista para o mar
ignoro quando comecei a habitar
este meu pensamento com vista para o mar
aqui no 100º andar
o vento diz-me que foi desde que nasci
o sol diz que foi um pouco antes
a chuva está sempre a dizer coisas diferentes
não é de confiar
creio que só o meu gato lunar
sabe a verdade
toda a verdade
às vezes olhamo-nos
olhos nos olhos e conversamos bastante
mas há coisas que ele nunca me revela
esta por exemplo
quando comecei a habitar o 100º andar
do meu pensamento com vista para o mar
não sei quem são os meus vizinhos
se calhar ninguém
se calhar uma multidão
o certo é que nunca me cruzo no elevador
com quem quer que seja
porque subo e desço de asa
este meu 100º andar ainda não está todo pago
o preço são os meus dias
as minhas horas de menino a brincar
os meus instantes de velho sem saber
os meus cânticos de marinheiro
com a boca no horizonte
e os braços sempre noutro lugar
gosto de morar neste 100º andar
de um pensamento com vista para o mar
o meu pensamento
o meu mar



Soares Teixeira – 16-03-2015
(© todos os direitos reservados)

domingo, 15 de março de 2015

"MARÇO" - Soares Teixeira





Março
mês de começos
mês de portas abertas
manhãs de cara lavada
a sorrir ao mundo
tardes que se prolongam
nas conversas das flores
Em Março
a Primavera já são peixes
a saltar nos dias
Foi em Março
que eu José nasci
para estar aqui
a voar
a dizer
que cada árvore
é uma aldeia em festa
que tudo o que vive
é parente entre si
que o mar
abre os olhos da vontade
e que no ar
estão os beijos da liberdade



Soares Teixeira – 15-03-2015
(© todos os direitos reservados)

sábado, 14 de março de 2015

"UMA E OUTRA VEZ" - Soares Teixeira





Ah este incrível sermos ondas a rolar
uma e outra vez sem longe sem perto e sem medo
sendo tudo o que em nós se amontoou em segredo
e que agora é simplesmente o sermos luar

luar de marinheiro
e quem é esse marinheiro?
Ah é o tempo parado na proa deste veleiro
deste beijo onde somos ondas a rolar

luar de ondas a rolar duas vezes três vezes quatro vezes
com os braços e as pernas a rir   a rir   a rir
achados e perdidos e novamente achados na agitação
deste mar de tamanho inconcebível     sideral    

Ah     rolar     beijo     redenção
uma e outra vez sempre véspera vertical
do incrível     em ascensão
uma e outra vez sempre inicial



Soares Teixeira – 14-03-2015
(© todos os direitos reservados)