terça-feira, 17 de março de 2015

"AO FUNDO" - Soares Teixeira





Ao fundo
um rio
com duas margens
sou eu

se gostava de ser adivinho
para adivinhar nascentes e estuários
não!
para quê?
todos os meus presentes
são os meus contrários
bebo dos instantes
que me bebem
basta-me isso
para passar entre as rochas
com peixes no peito
e luar espelhado
na minha superfície
de sonho liquefeito



Soares Teixeira – 17-03-2015
(© todos os direitos reservados)

segunda-feira, 16 de março de 2015

"MORO NUM 100º ANDAR" - Soares Teixeira





Moro no 100º andar
de um pensamento com vista para o mar
não sei quantos quartos tem
nem quantas salas
não sei quantas luzes estão acesas
ou quantas estão apagadas
não sei o que está em ordem
ou o que está em desordem
sei que há aposentos luxuosos
e outros nem por isso
sei que há corredores que me metem medo
e outros não
sei onde gosto de me despir
e onde nunca o faço
as paredes as portas as janelas
o tecto e o chão
devem estar lá
mas não sei onde estão
nem quero saber
quando convido os pássaros as estrelas
e os navios
alguns com forma de gente ou de nuvem
digo apenas
apareçam quando quiserem no 100º andar
do meu pensamento com vista para o mar
ignoro quando comecei a habitar
este meu pensamento com vista para o mar
aqui no 100º andar
o vento diz-me que foi desde que nasci
o sol diz que foi um pouco antes
a chuva está sempre a dizer coisas diferentes
não é de confiar
creio que só o meu gato lunar
sabe a verdade
toda a verdade
às vezes olhamo-nos
olhos nos olhos e conversamos bastante
mas há coisas que ele nunca me revela
esta por exemplo
quando comecei a habitar o 100º andar
do meu pensamento com vista para o mar
não sei quem são os meus vizinhos
se calhar ninguém
se calhar uma multidão
o certo é que nunca me cruzo no elevador
com quem quer que seja
porque subo e desço de asa
este meu 100º andar ainda não está todo pago
o preço são os meus dias
as minhas horas de menino a brincar
os meus instantes de velho sem saber
os meus cânticos de marinheiro
com a boca no horizonte
e os braços sempre noutro lugar
gosto de morar neste 100º andar
de um pensamento com vista para o mar
o meu pensamento
o meu mar



Soares Teixeira – 16-03-2015
(© todos os direitos reservados)

domingo, 15 de março de 2015

"MARÇO" - Soares Teixeira





Março
mês de começos
mês de portas abertas
manhãs de cara lavada
a sorrir ao mundo
tardes que se prolongam
nas conversas das flores
Em Março
a Primavera já são peixes
a saltar nos dias
Foi em Março
que eu José nasci
para estar aqui
a voar
a dizer
que cada árvore
é uma aldeia em festa
que tudo o que vive
é parente entre si
que o mar
abre os olhos da vontade
e que no ar
estão os beijos da liberdade



Soares Teixeira – 15-03-2015
(© todos os direitos reservados)

sábado, 14 de março de 2015

"UMA E OUTRA VEZ" - Soares Teixeira





Ah este incrível sermos ondas a rolar
uma e outra vez sem longe sem perto e sem medo
sendo tudo o que em nós se amontoou em segredo
e que agora é simplesmente o sermos luar

luar de marinheiro
e quem é esse marinheiro?
Ah é o tempo parado na proa deste veleiro
deste beijo onde somos ondas a rolar

luar de ondas a rolar duas vezes três vezes quatro vezes
com os braços e as pernas a rir   a rir   a rir
achados e perdidos e novamente achados na agitação
deste mar de tamanho inconcebível     sideral    

Ah     rolar     beijo     redenção
uma e outra vez sempre véspera vertical
do incrível     em ascensão
uma e outra vez sempre inicial



Soares Teixeira – 14-03-2015
(© todos os direitos reservados)

quinta-feira, 12 de março de 2015

"CÉU" - Soares Teixeira





Há dias em que o poema que apetece
é o céu
azul simplesmente azul
azul contínuo
sem estar pespontado a fios de ideias
azul da proa à popa do olhar
apenas um ou outro pássaro
levando consigo aquilo que alguém sonhou
num tempo em que não havia aviões

Ficar à porta do ombro e contemplar o vestíbulo
da eternidade
sem relógio para estorvar a liberdade

Desatar os tornozelos
e lançar fora os instantes
para ser azul
azul simplesmente azul

Ir
ser alto-mar do único poema apetecível
o céu
ir
ganhar altura
até conquistar a asa do Eu
asa azul da hora futura



Soares Teixeira – 12-03-2015
(© todos os direitos reservados)