Moro no 100º andar
de um pensamento com vista para o mar
não sei quantos quartos tem
nem quantas salas
não sei quantas luzes estão acesas
ou quantas estão apagadas
não sei o que está em ordem
ou o que está em desordem
sei que há aposentos luxuosos
e outros nem por isso
sei que há corredores que me metem medo
e outros não
sei onde gosto de me despir
e onde nunca o faço
as paredes as portas as janelas
o tecto e o chão
devem estar lá
mas não sei onde estão
nem quero saber
quando convido os pássaros as estrelas
e os navios
alguns com forma de gente ou de nuvem
digo apenas
apareçam quando quiserem no 100º andar
do meu pensamento com vista para o mar
ignoro quando comecei a habitar
este meu pensamento com vista para o mar
aqui no 100º andar
o vento diz-me que foi desde que nasci
o sol diz que foi um pouco antes
a chuva está sempre a dizer coisas diferentes
não é de confiar
creio que só o meu gato lunar
sabe a verdade
toda a verdade
às vezes olhamo-nos
olhos nos olhos e conversamos bastante
mas há coisas que ele nunca me revela
esta por exemplo
quando comecei a habitar o 100º andar
do meu pensamento com vista para o mar
não sei quem são os meus vizinhos
se calhar ninguém
se calhar uma multidão
o certo é que nunca me cruzo no elevador
com quem quer que seja
porque subo e desço de asa
este meu 100º andar ainda não está todo pago
o preço são os meus dias
as minhas horas de menino a brincar
os meus instantes de velho sem saber
os meus cânticos de marinheiro
com a boca no horizonte
e os braços sempre noutro lugar
gosto de morar neste 100º andar
de um pensamento com vista para o mar
o meu pensamento
o meu mar
Soares Teixeira – 16-03-2015
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