quinta-feira, 12 de março de 2015

"CÉU" - Soares Teixeira





Há dias em que o poema que apetece
é o céu
azul simplesmente azul
azul contínuo
sem estar pespontado a fios de ideias
azul da proa à popa do olhar
apenas um ou outro pássaro
levando consigo aquilo que alguém sonhou
num tempo em que não havia aviões

Ficar à porta do ombro e contemplar o vestíbulo
da eternidade
sem relógio para estorvar a liberdade

Desatar os tornozelos
e lançar fora os instantes
para ser azul
azul simplesmente azul

Ir
ser alto-mar do único poema apetecível
o céu
ir
ganhar altura
até conquistar a asa do Eu
asa azul da hora futura



Soares Teixeira – 12-03-2015
(© todos os direitos reservados)

quarta-feira, 11 de março de 2015

"CÔNCAVO" - Soares Teixeira





Despertar

ser côncavo
para receber
a força da água da luz
e a força da luz da água
num adeus
às bocas de cantos erguidos
que não disfarçam
as seringas infectadas
e às bocas de cantos dissimulados
que não disfarçam
a ferrugem dos ferrolhos
côncavo
como um lugar
que se escreve
no livro do peito
côncavo
como aquele albergue
de veias e músculos
que mais ninguém conhece
só nós
câncavo
para compreender
como pode a mentira
ter mãos enormes
e calçar luvas de criança
sim côncavo

porque as pérolas não nascem
do ventre de rosas cantadas



Soares Teixeira – 11-03-2015
(© todos os direitos reservados)

terça-feira, 10 de março de 2015

"COMBOIO" - Soares Teixeira






Há um azul num desejo de espaços
e uma luz sem sono
num instante sempre inicial
há uma intimidade suspensa
e um céu sempre aberto
numa ilha dentro de mim

E há esta unidade
este ser igual
aos mistérios onde fui gerado
e esta inquietação
este estar no pensamento
como se nele florescesse todo o além

E tudo isto acontece
enquanto observo um comboio
dentro dum tempo distante
comboio onde da minha janela
eu via feliz o mundo passar
comboio que me deixou aquém



Soares Teixeira – 10-03-2015
(© todos os direitos reservados)

domingo, 8 de março de 2015

"MULHER" - Soares Teixeira





Mulher
primeira página
do livro do livros
Terra

Seios abertos aos céus
ancas a florir manhãs
braços com veias da deusa
onde o amor se faz árvore

Espaço do fogo e da água
casa da salvação
templo do abraço
e do presságio e da absolvição

Mulher
luta no limiar da sede
metade de qualquer homem
que em si saiba viajar no Ser



Soares Teixeira – 08-03-2015
(© todos os direitos reservados)

"NOITE DE VIAGEM" - Soares Teixeira





Noite de viagem

noite iluminada
pelo gesto do poema
e o poema
a liberta fornalha do desejo
abraçada a outra estrela igual
e ambas
a fazerem chegar à retina dos espaços
a sua fulgurante unidade
e ambas
a fazerem chegar aos tímpanos do tempo
os humanos sons do prazer
frescos e puros
belos e livres
como uma cascata de água
a cair de uma montanha

sem dúvida e sem engano



Soares Teixeira – 08-03-2015
(© todos os direitos reservados)