quinta-feira, 5 de março de 2015

"ARRAIAL" - Soares Teixeira





Durante quanto tempo mais
teremos de transferir o sonho
para a hora da claridade adiada?
Durante quanto tempo mais
teremos de guardar as cordas da lira
dentro de um canto de galo por acontecer?
Durante quanto tempo mais
teremos de mastigar
a voz sem madrugada?

Pulsos vazios sem garganta de mar
Dedos que já não sabem beber além
Voos virtuais numa estratosfera
de mundos inventados
Centos comerciais
para plantar o pinheiro da derrota

Aqui estamos
com o pleno direito de sermos consumidos
pelo consumo

Convém sorrir
as hienas agradecem o gostarmos de ser engano

Convém ser caixa de rapé
as hienas agradecem o sermos quem não sabe o que é

De vez em quando um “Arre porra que é demais”
para vender jornais

O resto
uma bola no relvado do fado
umas couves no quintal
e música pimba para animar o arraial




Soares Teixeira – 05-03-2015
(© todos os direitos reservados)

quarta-feira, 4 de março de 2015

"COM DESPREZO" - Soares Teixeira





é bom
existir no cálice dos dias
sinal que se está vivo
querem beber este vinho que me acolhe?
sim
é com vocês que falo
hipócritas
traidores
corruptos
canibais a partilhar a mesa da mentira
trinchando-se
comendo as carnes uns dos outros
olho-vos com desprezo
e no meu sorriso há cicuta
não disfarço
bebam-me
se forem capazes



Soares Teixeira – 04-03-2015
(© todos os direitos reservados)

terça-feira, 3 de março de 2015

"CHOCOLATE" - Soares Teixeira





penso
em arco ausento-me do mundo
lentamente
e quando a corda está suficientemente retesada
vou
seta no espaço
a caminho de uma nudez sem identidade
chego a deus
perdido em mim
e depois
cansado de pensar
regresso
e como um chocolate devagar

é bom o transcendente



Soares Teixeira – 03-03-2015
(© todos os direitos reservados)

segunda-feira, 2 de março de 2015

"AS MAIS BELAS PALAVRAS" - Soares Teixeira





Quando
livre
o espírito nos conduz
as mais belas palavras
são murmuradas pelas estrelas
que bom senti-las na pele
frescas como lagos do ser
e depois
que bom abrirmos as asas
e subirmos na noite
leves
frontais ao absoluto
sem renunciar ao beijo dos espaços
inteiramente cálices alados
inteiramente consagrados
a tudo o que habita no mistério
e que bom não ter
nenhum livro por proa
mas muitos por navio
porque as mais belas palavras
são ditas pela verdadeira luz



Soares Teixeira – 02-03-2015
(© todos os direitos reservados)

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

"SIMPLES" - Soares Teixeira





É simples
este habitarmo-nos

anémonas e peixes
nadam na luz
de longos braços de candelabros
     os meus dedos

flores e flautas
acontecem no pátio
aberto ao azul do rosto do céu
     o teu corpo

tempo e espaço
fechados num envelope
que guardamos numa gaveta
     o nosso beijo

simples
este vivermo-nos



Soares Teixeira – 26-02-2015
(© todos os direitos reservados)