terça-feira, 6 de janeiro de 2015

"AINDA" - Soares Teixeira





A primeira parte do gesto
poisou no olhar
a segunda
no rosto
depois
na primeira parte do beijo
fomos árvores
na segunda
rio

e isto aconteceu
na estrada de uma certa manhã
ainda pássaro em nós



Soares Teixeira – 06-01-2015
(© todos os direitos reservados)

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

"APARIÇÃO" - Soares Teixeira





Encostados um ao outro
partilhamos a palavra do olhar

Noite
um gato deixa-se invadir
pela lua cheia
e sem peso flutua
sobre a planície onde somos
aparição de nós mesmos
que nos vem dizer baixinho:
amanhã os pinheiros
espantados
caminharão
e de todos os silêncios
búzios virão
e deles nascerão
as curvas de novas praias
onde agudos como astros
nos confundiremos com o mar

uma exaltação desce do ar
e beija-nos os dedos entrelaçados



Soares Teixeira – 05-01-2015
(© todos os direitos reservados)

domingo, 4 de janeiro de 2015

"ANATOMIA DA ASA" - Soares Teixeira






Hoje
ainda toca o sino de janeiro
eu sei
o frio cola-se-nos na pele

mas a curva da asa
desenha calor
em dias de paisagem
à tona do tempo

aquece
este derramar o pensamento
nos brilhantes pomares do mar
onde o sol se come devagar

sim, nem o frio
me faz esquecer
o principal
a anatomia da asa



Soares Teixeira – 04-01-2015
(© todos os direitos reservados)

"ASSIM ERA" - Soares Teixeira





Quase em murmúrio
a areia da praia falava
e a nossa nudez de mar
escutava sem escutar
porque tínhamos o sangue
com a cor de um tempo
quebrado contra os espaços
um tempo que parecia ser
não mais que uma longa vinha
onde aqui e ali
se pressentiam cabazes de vime
assentes num chão de nada
um nada muito antigo
assim era
e em nós
a mão da palavra escrevia    
e a linguagem era a do gesto
e a página era o corpo
e tudo o resto
entrava pela porta aberta
de uma nuvem
casas, camas, cadeiras
ruas, automóveis, sinais de trânsito
computadores, telemóveis
pássaros, insectos, gente,
árvores, rios, montanhas,
praias
mesmo as que falavam
sim, mesmo essas
e o beijo selou a porta fechada
e a nuvem desapareceu
para dentro de um cabaz de vime

importante apenas
era a morada
onde nos abraçávamos
e a morada era o sol

a palavra com mão de carícia?
amor

julho, dizia a areia da praia
assim era




Soares Teixeira – 04-01-2015
(© todos os direitos reservados)