Com um beijo
transformaremos
o jardim branco
que entre nós
ainda existe
e um no outro
seremos a líquida rosa
que dará cor
às flores que perguntam
ao limiar do horizonte
para quando
a prometida água solar
Olha-me
olhos nos olhos
é fácil
há tempo no tempo
para que o nosso olhar
abra as portas dos instantes
é fácil
basta querermos ser o uivo sideral
de um lobo renascido
basta querermos ser o interior
de um peixe em movimento
Olha-me
olhos nos olhos
de flauta para flauta
de lua para lua
de nascente para nascente
de resina para resina
de incêndio para incêndio
Olha-me
olhos nos olhos
como se as nossas pupilas fossem mãos
no cimo de uma montanha
erguida sobre as costas de um insecto
que sem saber a transporta
fácil
diria se lhe preguntássemos
como se as nossas pupilas fossem mãos
no oásis de um deserto
unidas pela sombra de uma palmeira a dançar
sobre os segredos das noites e dos dias
fácil
diria se lhe perguntássemos
Olhos nos olhos
olha-me como quem vê
para lá para lá do musgo que cresce na pedra
para lá do que passa e do que fica
olha-me como quem procura
e procurando se deixa procurar
Olhos nos olhos
caminhos a voar pelo ar
que floresce da atmosfera
cisnes com asas de harpas
a sussurrar sons de estrelas
vitória dos cálices à beira-mar
cantada por piratas e poetas
firmamento das regiões humanas
onde cintilam corações prestes a nascer
Olhos nos olhos
fácil
dizem as aves
Esperar para quê?
para quê guardar o sopro da palavra?
para quê adiar o relâmpago sobre o mar?
Não vamos fazer esperar mais
a página vazia de gotas, auroras e poentes
não vamos guardar mais
a luz dentro dos pulmões
não vamos parar relógios de sangue e carne
ávidos de versos a libertar pardais
abracemo-nos
membranas que somos da incandescência
espirais que somos de cavalos a galope
verbo que somos de mundos a emergir
abracemo-nos pois
como quem abraça o sol que de si nasce
abracemo-nos pois
para que se cumpra o princípio
Solte-se o fogo-de-artifício
soem bombos e pandeiretas
que comece a festa
e em festa
deixemos que a vontade dos lábios
seja a asa que comanda o ser
deixemos que no templo dos lábios
a lei seja a do cometa apaixonado
deixemos que o ritual dos lábios
seja a celebração do vinho e do mel
abracemo-nos pois
poemas a respirar uma nova maresia
cúpulas a flutuar na manhã de um sino
mesa posta para a unidade
abracemo-nos pois
e que se cumpra o beijo
rubro
aceso
beijo longo a transbordar para as margens
férteis
do jardim branco
jardim ainda aquém
aquém do mistério
aquém do significado dos signos
aquém do amor aberto em arte
aquém da arte aberta em lua
aquém de lua aberta em nós
abracemo-nos em eternidade de beijo
abracemo-nos em luz de beijo
beijo de além
além semente
além mirante
além ostra
além astro
beijo de prodígio
beijo encantado
líquida rosa
fantástico princípio de todas as quimeras
no jardim branco dos que ainda são
esboço do seu percurso
É fácil
diremos depois
já mil cores
já arco-íris em cada segundo
É fácil
diremos depois
com a linguagem da pele
É fácil
dirão os nossos cabelos verdes
É fácil ser descoberta no jardim do além
este jardim que sorri
aos que em si iniciados
iniciaram a nova era das flores
dirão os nossos gestos de azul a rolar no azul
Fácil
Beijemo-nos pois
sem demora
para que todas as nossas pétalas
possam ser a alegria
da liberdade lançada aos ventos
Soares Teixeira – 29-09-2014
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