sábado, 13 de setembro de 2014

"E FOI ASSIM" - Soares Teixeira








Porque na boca tinham o abandono de navios sem destino rolaram em framboesas frescas em óleos de rosas antigas em capitéis de colunas de luz em violentas tempestades em ebriedade de magma em silêncios de mistérios marinhos e neles tudo o que ainda não era passou a ser primeira página de um caminho novo onde trombetas de oiro e vento e galos incandescentes e espaços com odor a amêndoas saudaram a argila nova com que moldavam os seus corpos de árvores a crescer na pedra transparente que é unidade e que oculta a nascente da magnífica claridade sem dono sem filtro na retina sem sombra a ferir as aves brancas que habitam nos tímpanos sem correntes a prender os tornozelos à voz rouca de ciprestes a gemer na névoa
sim amaram-se
nenhum peixe lhes disse que não era chegado o momento nenhuma vértebra de distância lhes disse que não podiam ir respirar a apoteose da viagem nenhuma rocha abriu os lábios para lhes dizer que o tempo do alvoroço era apenas para os pássaros apenas uma esteira lhes falou e disse-lhes para se deitarem sobre a sua matéria primaveril e serem atitude altitude amplitude infinito grito silvestre agreste lento meigo
sim amaram-se
e foi assim que nasceram as paisagens onde os astros voavam com as aves



Soares Teixeira – 13-09-2014
(© todos os direitos reservados)

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

"DOR" - Soares Teixeira








Tremias
eras frio e chuva
tinhas uma palavra
à beira do lábio inferior
beijei-te e bebi-a
a palavra era dor
disseste-me sempre
que fui o melhor
que te aconteceu
nunca te disse
nunca soubeste
como estava eu
veias sem pássaros
dedos sem árvores
pálpebras sem mar
palavra de bronze
a pesar no silêncio
tanto
como se um passo
fosse o de um cedro
e a palavra era
digo-te agora
dor



Soares Teixeira – 10-09-2014
(© todos os direitos reservados)

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

"LINHA EM BRANCO" - Soares Teixeira








As gaivotas parecem estar sempre dentro da claridade, haja ou não sol a interrogar as estátuas; sobre aquilo que pensam; sobre as suas histórias; sobre aquilo que vêm, sobre aquilo que ouvem, sobre os seus sonhos. Vejo-as aproximarem-se, sempre iguais, sempre reinventadas, sempre a soma daquilo que está escrito mais o ignorado mais um barco de pesca mais um olhar de gato mais sabe-se lá o quê. Bonitas, não são? Parecem crianças no seu mundo mágico, antes de as chamarem para fazer os deveres da escola. Ei-las que chegam a estes instantes, e são tantas, terão nomes? Sim, podem ter nomes, dados por alguém, ou por alguma ilha, ou por elas próprias, lá sua linguagem. De onde virão? Os cientistas sabem onde nidificam, quais as suas áreas de distribuição, as suas rotas migratórias, o número de espécies e o número aproximado de casais de cada espécie, sabem muita coisa sobre as gaivotas, por isso são cientistas. Mas… sobre estas gaivotas... creio que os cientistas sabem muito pouco. Saberão por acaso de que espaços e de que lendas estas gaivotas virão? Não me parece. Devem ser belos os espaços respirados e desenhados por estas gaivotas; espaços anteriores a estes, e a outros. E devem ser belas as lendas das gaivotas… tão belas que muitas estrelas ao escutá-las - de noite, contadas por velhos sem idade e meninos magos, ao som distante das cigarras – acreditarão que são histórias verdadeiras e isso fará com que brilhem mais – o brilho do acreditar. Aí estão elas, cada vez mais próximas, mais nítidas, as gaivotas, nestes instantes, solitários como um veleiro no mar alto, um veleiro de olhos muito abertos e frontais aos murmúrios antigos que se erguem das ondas. Deslizam quase imóveis; serena nudez; sete partidas percorridas; unidade liberta; paz pedida por mãos em promontório; abundante verdade em celeiros sem medida; aliança     abraço    espaço. Respiro fundo, com os pulmões e com a alma, para melhor oxigenar o pensamento em que é tecida uma finíssima túnica que muito lentamente  liberto. É uma pergunta essa túnica, que envio para longe - talvez ela atravesse todos os descampados do tempo, onde tudo está disperso, tudo pertence ao sussurro e é fio caído no labirinto do esquecimento e talvez lá longe, muito longe o corpo de um outro eu a receba e a vista junto de um livro de páginas transparentes. Agora, como ânforas que renascem em vinho e embriagam os espaços, as gaivotas baixam – solenes, simples, cheias de certeza nas patas já estendidas – descem sobre o veleiro de instantes. E aí estão elas, já poisadas - depois das suas asas se terem fechado (ah! aquela elegante evolução de movimentos, aquela perfeita sucessão de ângulos, aquele prodígio, mais fantástico que qualquer humana engenharia). Ei-las, sem erro, sem engano, certas, certeiras, a ocupar o seu lugar no navio, no navio de instantes, ao lado do marinheiro. Adiante a celebração do mar. Pausa.        
         
Linha em branco depois do que fui e onde habitei por alguns instantes. Linha em branco depois de palavras como peixes a nadar no lago que nasceu no topo de um pensamento de pescoço estendido. Saúdo-te linha em branco. Só tu sabes o que aconteceu quando me desliguei do corpo da palavra – mas não dos seus lábios, mas não do arco da sílaba, mas não do voo. Tens a dimensão do azul. Aqui onde estou já respiro as coisas que me rodeiam. A minha solidão é observada por vários objetos. Estranho-me. Há uma lucidez a prumo sobre o meu eixo. Oiço-a. Tem os gritos das gaivotas e tem aquilo que me disseram há pouco, enquanto estávamos à proa, a viajar, a conversar (sim, a conversar; os seus gritos transformaram-se em palavras - responderam a muitas das minhas perguntas e eu respondi às delas), e a sentir o mar. E isto, e muitas outras coisas, aconteceram numa linha em branco. Respiro fundo, como uma harpa. Só os átomos do corpo escutam os sons. Tudo é viagem.




Soares Teixeira – 06-09-2014
(© todos os direitos reservados)


quinta-feira, 4 de setembro de 2014

"TERCETO" - Soares Teixeira




(Imagem retirada da net)





No tanque do jardim coaxa uma rã
E diz com voz de clepsidra atmosférica
Façam-me um Like e chamem-me Tarzan



Soares Teixeira – 04-09-2014
(© todos os direitos reservados)