segunda-feira, 8 de setembro de 2014

"LINHA EM BRANCO" - Soares Teixeira








As gaivotas parecem estar sempre dentro da claridade, haja ou não sol a interrogar as estátuas; sobre aquilo que pensam; sobre as suas histórias; sobre aquilo que vêm, sobre aquilo que ouvem, sobre os seus sonhos. Vejo-as aproximarem-se, sempre iguais, sempre reinventadas, sempre a soma daquilo que está escrito mais o ignorado mais um barco de pesca mais um olhar de gato mais sabe-se lá o quê. Bonitas, não são? Parecem crianças no seu mundo mágico, antes de as chamarem para fazer os deveres da escola. Ei-las que chegam a estes instantes, e são tantas, terão nomes? Sim, podem ter nomes, dados por alguém, ou por alguma ilha, ou por elas próprias, lá sua linguagem. De onde virão? Os cientistas sabem onde nidificam, quais as suas áreas de distribuição, as suas rotas migratórias, o número de espécies e o número aproximado de casais de cada espécie, sabem muita coisa sobre as gaivotas, por isso são cientistas. Mas… sobre estas gaivotas... creio que os cientistas sabem muito pouco. Saberão por acaso de que espaços e de que lendas estas gaivotas virão? Não me parece. Devem ser belos os espaços respirados e desenhados por estas gaivotas; espaços anteriores a estes, e a outros. E devem ser belas as lendas das gaivotas… tão belas que muitas estrelas ao escutá-las - de noite, contadas por velhos sem idade e meninos magos, ao som distante das cigarras – acreditarão que são histórias verdadeiras e isso fará com que brilhem mais – o brilho do acreditar. Aí estão elas, cada vez mais próximas, mais nítidas, as gaivotas, nestes instantes, solitários como um veleiro no mar alto, um veleiro de olhos muito abertos e frontais aos murmúrios antigos que se erguem das ondas. Deslizam quase imóveis; serena nudez; sete partidas percorridas; unidade liberta; paz pedida por mãos em promontório; abundante verdade em celeiros sem medida; aliança     abraço    espaço. Respiro fundo, com os pulmões e com a alma, para melhor oxigenar o pensamento em que é tecida uma finíssima túnica que muito lentamente  liberto. É uma pergunta essa túnica, que envio para longe - talvez ela atravesse todos os descampados do tempo, onde tudo está disperso, tudo pertence ao sussurro e é fio caído no labirinto do esquecimento e talvez lá longe, muito longe o corpo de um outro eu a receba e a vista junto de um livro de páginas transparentes. Agora, como ânforas que renascem em vinho e embriagam os espaços, as gaivotas baixam – solenes, simples, cheias de certeza nas patas já estendidas – descem sobre o veleiro de instantes. E aí estão elas, já poisadas - depois das suas asas se terem fechado (ah! aquela elegante evolução de movimentos, aquela perfeita sucessão de ângulos, aquele prodígio, mais fantástico que qualquer humana engenharia). Ei-las, sem erro, sem engano, certas, certeiras, a ocupar o seu lugar no navio, no navio de instantes, ao lado do marinheiro. Adiante a celebração do mar. Pausa.        
         
Linha em branco depois do que fui e onde habitei por alguns instantes. Linha em branco depois de palavras como peixes a nadar no lago que nasceu no topo de um pensamento de pescoço estendido. Saúdo-te linha em branco. Só tu sabes o que aconteceu quando me desliguei do corpo da palavra – mas não dos seus lábios, mas não do arco da sílaba, mas não do voo. Tens a dimensão do azul. Aqui onde estou já respiro as coisas que me rodeiam. A minha solidão é observada por vários objetos. Estranho-me. Há uma lucidez a prumo sobre o meu eixo. Oiço-a. Tem os gritos das gaivotas e tem aquilo que me disseram há pouco, enquanto estávamos à proa, a viajar, a conversar (sim, a conversar; os seus gritos transformaram-se em palavras - responderam a muitas das minhas perguntas e eu respondi às delas), e a sentir o mar. E isto, e muitas outras coisas, aconteceram numa linha em branco. Respiro fundo, como uma harpa. Só os átomos do corpo escutam os sons. Tudo é viagem.




Soares Teixeira – 06-09-2014
(© todos os direitos reservados)


quinta-feira, 4 de setembro de 2014

"TERCETO" - Soares Teixeira




(Imagem retirada da net)





No tanque do jardim coaxa uma rã
E diz com voz de clepsidra atmosférica
Façam-me um Like e chamem-me Tarzan



Soares Teixeira – 04-09-2014
(© todos os direitos reservados)

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

"INFÂNCIA" - Soares Teixeira








No cântico de uma bola de sabão
vai a borboleta que regressou da imortalidade
o reflexo do lago que descobre ser lunar
a rocha líquida no centro da ilha sem nome
o potro acabado de nascer
ainda molhado de dia anterior ao dia
quase sem se aguentar em pé
sem formas a povoarem-lhe os olhos
e vai também o primeiro olhar de todas as mães
para a tenra continuidade da sua matéria
só a promessa das portas transparentes
consegue escutar esse cântico
tão liso e vasto como uma película de sonho
sobre a superfície de uma concha sem princípio
leve
manhã de verão sem começo
respiração de pássaro que não se cansa de azul
leve
infância na praia da memória


Soares Teixeira – 04-09-2014
(© todos os direitos reservados)

terça-feira, 2 de setembro de 2014

"POEMA PARA UMA OLIVEIRA" - Soares Teixeira









Sabes Oliveira
aqui na casa grande deste instante
sou uma candeia de olhos muito abertos
sigo-te o tronco as folhas e os frutos
até às raízes do tempo e vou nesse mar aberto
e meus gestos juntam-se aos antiquíssimos gestos
que acariciavam as palavras murmuradas pelo teu corpo
preciso do azeite da tua solenidade
para que o meu espanto brilhe
com a mesma devoção com que os rios correm para o mar
fico aqui a olhar-te
perco-me na tua folhagem e esse perder-me
é um plantar gestos e sílabas num chão assombrado
sei que não és ambígua nem alheia ao meu rosto
e que me reconheces ao longe
por isso gosto que as minhas pálpebras te abracem
é como se ficasse para sempre guardado dentro de ti
num sussurro de luz milenar
por isso é que este instante é uma casa grande
grande
como uma ânfora onde cabem todas as manhãs da eternidade



Soares Teixeira – 02-09-2014
(© todos os direitos reservados)

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

QUINTA DOS LORIDOS




. Quinta dos Loridos. Fotografia de minha autoria


Na freguesia do Carvalhal, concelho do Bombarral, em terras que em tempos pertenceram ao Mosteiro de Alcobaça, ergue-se o belo solar da Quinta dos Loridos, uma enorme propriedade que para além de uma excelente produção vinícula acolhe o belíssimo "Jardim Oriental Buddha Eden"; 35 hectares de beleza e tranquilidade.

"INTERIOR", David Mourão-Ferreira - Soares Teixeira