sábado, 26 de abril de 2014

"O QUE EU HOJE VI" (na celebração dos 40 anos do 25 de Abril) - Soares Teixeira





Avenida da Liberdade, Lisboa
Nos 40 anos do 25 de Abril de 1974




O que eu hoje vi
no meu país cravo de luz
foi Abril de sorriso na palavra
o que eu hoje vi
no meu país de gesto em flor
foi a liberdade a brilhar num cântico solar
o que eu hoje vi
no meu país quase milenar
foi um pulso antigo numa página a começar




Soares Teixeira – 25-04-2014
(© todos os direitos reservados)
 








sábado, 19 de abril de 2014

"ENTREGA" - Soares Teixeira









Nudez incendiada e nada mais
ventos arqueados
identidade solar
gargantas de gemido musical
bocas a sorver vinho num chão de carne
dedos como serpentes a brilhar ao sol
coxas como grandes veleiros em flor
violinos nas veias
pássaros nos ossos
nomes sem nome e só entrega
instantes sem instante e só relâmpago
têmporas de fogo e gelo
volúpia na verdade da vontade
liberdade de horizonte sem orla
desejo a voar do desejo
de nos entregarmos aos vulcões



Soares Teixeira – 14-04-2014
(© todos os direitos reservados)

"ABRAÇA-ME" - Soares Teixeira









O meu convés é amplo
cabe nele o mundo inteiro
caminho lentamente
de mãos atrás das costas
com o som do mar
entre os nós dos dedos
o resto do meu corpo
são acácias adormecidas
e caminhos que se deixaram ficar
dentro de uma longínqua
canção do tempo
esta noite sou a síntese
da minha respiração
uma linha invisível
puxada pela clareza
com que me olhas
uma linha onde sou
pausa e espiga
da ausência que me protege
de tudo
o que possa ser musgo
nos meus ramos
apenas isso e mais nada
um a um
os meus pés invisíveis
sobem a escada
rente ao verso
um após outro
os meus passos
de silêncio que se atreve
entram no círculo de amor
onde oiço
a deslumbrada volúpia
dos teus gemidos de rosa
aberta ao beijo
abraça-me
tu ó cheia de encanto
abraça-me
lua



Soares Teixeira – 13-04-2014
(© todos os direitos reservados)

sexta-feira, 11 de abril de 2014

"PENSAR AZUL" - Soares Teixeira







Pensar azul
crescer do olhar
dobrar a esquina dos lábios
e com um sorriso no gesto
vestir de coragem a palavra
para pedir conselho aos rios
pedir ajuda aos pássaros
dizer às árvores: amo-vos
azul
fácil majestade dos espaços
leve linguagem dos caminhos
prémio entregue pelas estrelas
céu que guarda o sonho
afaga o verde
e conversa com o mar
azul
flor a nascer do tempo das aves
leve murmúrio da luz
boca que bebe orvalho
na folhagem de tudo
e da alma
que está para lá de tudo
azul
mistério     início
casca do que é puro
meu casulo
minhas asas
minha intimidade
meu poema
pintado a liberdade



Soares Teixeira – 10-04-2014
(© todos os direitos reservados)

terça-feira, 8 de abril de 2014

"O SINAL" - Soares Teixeira








Vem
vamos crescer juntos no silêncio
atrás dos montes da palavra
quietos
a olharmo-nos olhos nos olhos
como dois caminhos de pó e sede
quando tivermos bebido
amor bastante
o tempo far-nos-á sinal
para o acompanharmos
então de mãos dadas
como duas páginas
que se escrevem uma à outra
atravessaremos as colinas
até sermos livro
a caminhar à beira mar



Soares Teixeira – 03-04-2014
(© todos os direitos reservados)

quarta-feira, 2 de abril de 2014

"SAÚDO-VOS PALAVRAS" - Soares Teixeira








Não sou desta ou daquela palavra
não se escolhe a terra natal
sou da caminhada dos carvalhos
sou da evidência do vermelho
sou do ócio da luz
sigo as flautas lunares
a respiração das falésias
a verdura de tudo
o que está por acontecer
saúdo-vos palavras
todas
saúdo-vos flechas
que em linha recta me levam
para onde os grilos
são companheiros de viagem
e as rosas colunas românicas
e canções de amanhã
saúdo-vos palavras
íntima leveza
ar em flor
saúdo-vos a todas
vocês são tantas
não posso estar em todas
ao mesmo tempo
só peço
um de vez em quando
numa apenas
amor



Soares Teixeira – 02-04-2014
(© todos os direitos reservados)

segunda-feira, 31 de março de 2014

"POEMA AO AUTOMÓVEL" - Soares Teixeira




Fotografia de Sven Storbeck





Foi no meu automóvel
que nos enamorámos
pelo rumor da distância
aquela que se adivinhava
nos teu olhos de subtil volúpia
e nos meus de pavão real
e aquela outra
a que unia lugares
a nascer dos nossos dedos juntos
num ponto no mapa
dedos que escorriam e sorriam
aventura
Vamos aqui? Vamos!
e lá íamos
abertos ao sempre inicial
som do motor
sobre quatro rodas que rolavam
como se inventassem a estrada
sempre com a música do rádio
a saudar rectas, curvas e colinas
que nos acenavam como criaturas
que o meu automóvel libertava
do seu anónimo tédio
Às vezes o volante queria ser teu
porque não?
gostava de me sentir sultão
conduzido por uma gazela encantada
De noite os faróis eram estrelas
e a tua cabeça uma lua
colada ao grande planeta
que era o meu ombro
Quando parávamos
para um beijo à beira de uma falésia
uma caminhada por entre flores campestres
ou um lanche no café de uma praça antiga
ele ficava familiarmente a observar-nos
silencioso, contente
e também um pouco vaidoso
retribuíamos-lhe com um sorriso
lembro-me que uma vez lhe deste um beijo
e eu com ciúmes te prendi pela cintura
ele também se lembra disso
o meu automóvel



Soares Teixeira – 30-03-2014
(© todos os direitos reservados)