segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

"NOITE" - Soares Teixeira








Noite
os astros alongam-se
em vogais e consoantes
viajam
na expansão dos espaços
e as suas sílabas são pétalas
de uma praia em flor
É nas suas águas
que o meu olhar pronuncia
a palavra horizonte
e nelas escuto
o cântico da luz
a entoar
o intacto sossego
onde sou onda
íntima dos navios
Noite finíssima
a brotar de si mesma
delicado ninho de infinito
Noite de búzios com asas
celeiro de leveza
e de abundantes mistérios
na árvore das folhas transparentes
Noite
e uma pausa branca
na polpa da paz primordial
sou eu
essa pausa
este ritual
na clareira de um pensamento
sem centro nem orla
eu
este intervalo
que me aconteceu



Soares Teixeira – 23-01-2014
(© todos os direitos reservados)

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

"AO PAULO" - Soares Teixeira








A casa escura
deslizou no assobio do vento
e ficou suspensa
sobre a tua cabeça
ouviste uma pancada
depois
o som de passos
a descer uma escada
era ela
a morte!
Comboios em chamas
esmagaram-te as têmporas
facas cravaram-se
na medula do teu olhar
enquanto serpentes
te engoliam por dentro
Passo a passo
a morte descia a escada
e enquanto descia
ia arrancando as tuas raízes
uma a uma
ia rasgando os teus instantes
um a um
ia-te vestindo de silêncio
ia-te deitando na planície do nada
Quando finalmente
os pastores se afastaram
os rebanhos devoraram a luz
e tudo se tornou fósforo queimado
caiu-te sobre o rosto
a máscara do infinito
morreste
e foi assim
morto
que ela te levou para a sua casa
a casa escura
que voltou a deslizar
no assobio do vento
Adeus amigo
lembra-te do mar




Soares Teixeira – 21-01-2014
(© todos os direitos reservados)



"LUA CHEIA DE TEMPO PARA MIM" - Soares Teixeira








Lua     cheia de tempo para mim
meu amor
eu
este promontório e canto
que tão bem conheces
eu
respiração de olhar a envolver a noite
e todos os inícios que nascem da noite
prometo dar-te tudo
pede-me tudo o que quiseres
tudo
e será teu
pede-me a lua que está dentro de mim
será tua
assim como será teu este nocturno sol
onde sou leve
onde brilhando leveza
liberto o trigo e o touro que sou
e a ordem e a desordem onde estou
e os instantes que me servem de pele
liberto-me meu amor
liberto-me para o teu sabor
liberto-me para o teu cheiro
sabes a mel
cheiras aos bosques onde me sinto inteiro




Soares Teixeira – 16-01-2014
(© todos os direitos reservados)



terça-feira, 14 de janeiro de 2014

"RENASCER" - Soares Teixeira




                                                        Fotografia de Mendes Domingos



Ondulantes lábios
de espuma
branca
brincam     belos     beijam-se
cada um parece uma multidão
de pequenos animaizinhos
unidos pela mesma canção
pela mesma dança
pelo mesmo diz-que-disse
“Lembras-te daquela praia?”
“Lembras-te daquele navio?”
“Lembras-te daquele peixe?”
“Era uma sereia!”
“E acenava-nos com a mão!”
pela mesma traquinice
pelo mesmo íntimo abandono
pela mesma viagem
pelo mesmo destino
e na praia um menino
a receber o mundo nos tornozelos
a sentir a espuma fresca
entre os dedos dos pés
“E tu quem és?”
perguntam-lhe de súbito
mil vozes em coro
enquanto mil braços
lhe abraçam as pernas
como se abraçassem um tesouro
“Eu sou aquele
que desde longe vos aconteceu
Eu sou aquele
que vos espera
Eu sou a vossa quimera
Eu sou aquele
que em vós renasceu”




Soares Teixeira – 14-01-2014
(© todos os direitos reservados)

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

domingo, 12 de janeiro de 2014

"PAISAGEM" - Soares Teixeira




Fotografia © Gugul (Raul)





Três quartas partes de mim
são céu
anterior ao crepúsculo que sinto na garganta
espaço sem nome
onde habitam as coisas por mim recordadas
e que dançam na boca de uma luz ausente
o resto é chão
com um frasco sem ilusão




Soares Teixeira – 12-01-2014
(© todos os direitos reservados)



quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

"ARTE" - Soares Teixeira




                                                                                      Danny Boulet, Photo © Ernie Sapiro




A arte de caminhar
sobre as águas do poema
como uma praia sem peso
que se eleva sobre o mundo
em deslumbrada ascensão
essa é a arte
que o olhar respira
depois da máscara ter cumprido a sua função
e repousar na prateleira sem plenitude

A arte de tornar azul o destino do poema
a arte de ser cálice
feito com o metal da sílaba ardente
a arte de ser paisagem
em aliança com o ser
a arte de ser diapasão do instinto
a arte de descobrir as plantas carnívoras
a arte de viver
depois de sobreviver



Soares Teixeira – 08-01-2014
(© todos os direitos reservados)