Nós, criaturas de silêncio sonhado e grito solar, que desejamos ser desejados e tememos não ser temidos, somos por fora feitos à imagem e semelhança uns dos outros e por dentro portadores da inclemência das galáxias. Carreiro de formigas que se engrossa, somos uma equação cada vez mais complexa, um celeiro de dúvidas cada vez maior, um labirinto de olhares cada vez mais estreito, um ferro cada vez mais quente. E isto assombra e também dói. Assombro de surpresas nuas, dor que em silêncio se entranha no corpo, nos ossos e no nome. Agora faço uma pausa e vou para um lugar mais íntimo, onde permaneço e aí penso que às vezes é bom demorarmo-nos na polpa das palavras pensadas e senti-las como abundância de ar que nos falta, de horizonte que nos espera, de além onde possamos regressar aos pássaros que fortemente julgámos ter sido – e portanto fomos. Longa pausa, quase quebra. Às vezes é bom sermos apenas palmas de mãos, estendidas em conchas para as coisas mínimas. Apetece-me dizer que ao poeta lhe cumpre sentar-se num grão de pó e chamar-lhe astro, e sentar-se num astro e chamar-lhe grão de pó. Apetece-me ainda dizer que ao poeta lhe cumpre ser manto do seu vazio e guardar uma ponta desse agasalho para aconchegar um pássaro a tremer de frio – talvez (quem sabe) se não será esse o tal pássaro que, doce e terrivelmente, julgámos ter sido – e ainda somos. Fui regressando desse lugar mais íntimo e estou no ponto inicial (e isto obviamente é algo que apenas eu posso compreender – o rio é meu, apenas eu lhe conheço as águas, as margens e as grutas). Existir: terrível equação de crianças, terrível geometria de crianças. Rectas, intersecções, curvas, tangentes, logaritmos, algoritmos, exponenciais, diferenciais. Musical matemática a saber a poema. Talvez fingir seja a solução dessa equação. Fingir, não como quem falsifica, dissimula, usa de hipocrisia ou pretende ignorar, mas fingir como quem renasce – um fingir solar. Afasto-me novamente. Pausa. Descobrir o palco e o palco/poema, soletrar fin gir, fin gir, até que tudo se resuma ao essencial e à contínua descoberta do essencial – da verdade. Outra máscara porque esta já está envelhecida, de ideias enrugadas. Outra máscara porque esta já não assombra. Outra máscara… a monotonia dói nas velas dos veleiros em mar sem vento… outra máscara. Ser e não ser, o mesmo, outro e além. E de novo regresso.Tantas formigas; engrossam, engrossam o carreiro. Máscaras, máscaras – trouxe-as do meu deambular, atiro-as ao ar. Que caiam, lentamente, e que as apanhe quem quiser. Pergunto a um anónimo que apanhou uma delas: Fingem os poetas porque vêm tanto mau fingir e finge o mundo ser poeta? Oiço responder que sim. Digo-te companheiro: fingimos todos nós, criaturas de silêncio sonhado e grito solar, fingimos ignorar o nada que nos espera. Pobres crianças descalças e de vela na mão. Está escuro?! Melhor fingir que não!
Soares Teixeira – 12-12-2013
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