sábado, 10 de março de 2012

"FOI DURANTE UMA TERTÚLIA DE GRILOS" - Soares Teixeira



Foi durante uma tertúlia de grilos
que fizemos parar o ponteiro do relógio
e escutámos o aplauso de palavras
chamadas ao pensamento
pelo prolongado soar do tambor do desejo
Entre ervas e arbustos
os grilos agarravam-se aos seus sons
trepando às montanhas de si mesmos
e fazendo com que tudo à sua volta
ficasse parado suspenso
num casulo que era a véspera daquele dia
Então deixámos cair as palavras
primeiro como breves pingos de água
depois como chuva
chuva intensa de céu que é dádiva
e foi encharcados de humanidade
que subimos ao cesto da gávea
da hora que nos esperava
e consumámos a natureza
dando razão às forças que criaram o mundo
Em silêncio os grilos escutaram
os sons do amor


Soares Teixeira

quinta-feira, 8 de março de 2012

"UMA GAIVOTA SATISFAZ AS ASAS NO AZUL" - Soares Teixeira



Uma gaivota satisfaz as asas no azul
em silêncio
era o pássaro que faltava
o pássaro que saiu do cavalete do instante
para que naquele suave estremecimento
de manhã que se anuncia
a memória subisse pelas raízes
da grande e velha árvore
onde um dia brilhou
um alvoroço de juventude
era o pássaro que faltava
e trazia no bico
aquele telheiro de folhas
que foi a casa do nosso primeiro beijo


Soares Teixeira

quarta-feira, 7 de março de 2012

"O DESEJO NAVEGA NO SANGUE" - Soares Teixeira



O desejo navega no sangue
o prazer tem um pescoço longo
que sorve a catarata do instante
as mãos alongam-se como poentes
e afagam o feno da pele
que é macio e cheira a nuvem
os músculos são os lábios da carne
a boca beija o gemido
contraem-se as nádegas do touro
e a estrela recebe o lírio de bronze
tudo está em harmonia com o trigo que cresce
tudo é ânimo de astro tudo é trepadeira de luz
tudo é próximo e distante tudo é solene e sagrado
tudo é infinito no convés do lugar
não há casas não há muros não há caminhos
há apenas um tudo de rosto voltado
para uma praia que são braços
e uma trombeta de som arqueado
que penetra nas nervuras do horizonte
e morde o fogo com um riso quase humano


Soares Teixeira

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Carnaval de Veneza 2012





Regressei ao Carnaval de Veneza. Único, intenso, indescritível. Viver este Carnaval - devidamente vestido - é uma experiência inesquecível. E viver o Carnaval de Veneza é ir aos concertos, às festas, aos museus, às igrejas, aos palácios, e este ano. Este ano participei na Vogata del Silenzio, um fabuloso desfile nocturno de gôndolas de Rialto a São Marcos.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

"AMOR" - Soares Teixeira



Um golfinho lunar
regressa à casa dos astros
rápido e certeiro
como se de há muito conhecesse
todos os caminhos do universo
no seu olhar há uma juventude
que esconde o tempo inteiro
e no seu dorso vamos nós
de pupilas embriagadas pelo ser
que na nascente de cada um
dança nos píncaros
de uma montanha sagrada
Estarmos de cabeça erguida
é pertencermos à solenidade
de um antiquíssimo encontro
é sermos inteiramente
o chão do nosso caminho
é sabermos comer frutos amargos
sabendo que também eles são parte
da viagem
Estarmos unidos
é recebermos o trigo que nos pertence
e com o mesmo gesto oferecê-lo
aos deuses que nos deram
a humanidade
e o amor


Soares Teixeira

domingo, 5 de fevereiro de 2012

"SÓ NÓS PRÓPRIOS" - Soares Teixeira




Só nós próprios nos podemos reconstruir
ninguém é interior aos nosso medos
ninguém respira a nudez da nossa solidão
ninguém conhece os muros do nosso labirinto
Só nós próprios gesto a gesto palavra a palavra
podemos ser oferenda aos nossos abismos
e atravessar o impossível para nos reunirmos
à esperança dos céus matinais
Só nós próprios podemos pintar de branco
a casa do nosso combate
e plantar a claridade no jardim do amanhã
só nós impiedosamente nós próprios


Soares Teixeira

sábado, 4 de fevereiro de 2012

"OLHEI-TE" - Soares Teixeira



Olhei-te
do convés do meu olhar
e vi-te
estavas a enfeitar a distância
com aquele sorriso
com que me disseste adeus
derramei nas águas
a minha parte que te pertence
e fiquei a ver
do convés do meu navio
duas saudades
que se abraçavam
naquele fim de tarde
longo vermelho
e alheio ao tédio dos deuses


Soares Teixeira